MLB e a chance perdida: O encontro de política e esporte

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Esta semana a MLB divulgou o tão esperado relatório da investigação daquilo que já vem sendo chamado de Astrosgate. Para quem não acompanha baseball, ao fim da temporada 2019 um jogador chamado Mike Fiers decidiu contar publicamente o que todos já desconfiavam desde 2017.

O Astros montou um esquema bastante organizado, capitaneado pelos jogadores e membros da diretoria, para descobrir no Minute Maid Park os sinais de comunicação entre o catcher e o pitcher adversários.

Dessa forma, o Astros sabia com antecedência qual seria o arremesso a ser usado e passava isso ao rebatedor do Astros. Para tal, inclusive foram instaladas câmeras não autorizadas e se usavam diversos artifícios. Até bater com bastão em diferentes latas de lixo no dugout para passar a informação ao rebatedor e, conforme denúncias mais recentes, um aparelho de microchoques nos ombros de Altuve, Beltran e Bregman.

Punições

Como já se especulava desde novembro, a MLB impôs punições pesadas para o clube, o General Manager e o Manager do Astros. Mas mesmo a MLB declarando em seu relatório que o esquema foi pensado e feito pelos próprios jogadores, todos eles passaram ilesos. Uma decisão totalmente incoerente do ponto de vista do Direito Penal.

Porém, a MLB, após cogitar a possibilidade de acordo com reportagens iniciais, não teve coragem de aplicar a pena extrema: cassar o título do Astros de 2017. Nos mesmos moldes do que o Tour de France fez com os títulos dos anos nos quais Lance Armstrong ganhou.

Muitos estão atribuindo tal decisão de manutenção do título com a alegação que os americanos não gostam de “não ter campeão”. Em sua cultura eles são mais lenientes com a filosofia “os fins justificam os meios para ganhar” e que isso criaria um perigoso precedente que poderia forçar a MLB a cassar vários títulos futuramente.

Por todas as argumentações, vide o texto no blog do Ubiratan Leal, mesmo que ele tenha cometido um ligeiro erro ao dizer que títulos em esporte coletivo não são cassados por doping. São sim, desde que tenha ao menos 2 casos no mesmo time conforme as regras da Agência Mundial Anti-Doping.

Porém, em sendo covarde, a MLB perdeu uma grande chance de fazer um brutal reposicionamento comercial junto aos jovens americanos. Algo fundamental para o futuro da MLB, como a própria já reconheceu.

Para desenvolver meu argumento, mostrarei como política e esporte estão cada vez mais entrelaçados no mundo atual. Mesmo que o presidente do COI burramente insista em falar o contrário de forma tão errônea que, logo na semana seguinte, ele estendeu a mão ao Irã em oposição a sua própria fala.

O “Trumpismo”

Para começar, é necessário entender que a fissura sócio-política nos Estados Unidos está cada vez mais crescente. Desde o início do mandato do atual Presidente, Donald Trump, ficou ainda maior entre os que pensam os simpatizantes do Partido Democrata, oposição ferrenha ao governo; e seus respectivos do Partido Republicano, que cada vez mais deixam de lado o receituário antigo de neoliberalismo, que marcou o partido desde Reagan e cada vez mais se tornam o partido de Trump e do “Trumpismo”.

Desde que chegou a presidência, Trump faz questão de jogar fora todas as regras não escritas da convivência e da concorrência política. Não tem o menor escrúpulo de esconder que usa o cargo político para benefícios pessoais e para impor a todos a visão de seu grupo conservador-cristão. Especialmente a indicação de um relativamente jovem ultra conservador cristão para uma vaga vitalícia pivotal na Suprema Corte. Pela tradição, deveria caber a Obama indicar tal vaga, o que não foi permitido pelos senadores do Partido Republicano.

Tais polêmicas afloraram no atual processo de impeachment de Trump. No processo ele é acusado de segurar uma ajuda militar à Ucrânia, uma questão de Estado, enquanto a Ucrânia não anunciasse que tinha iniciado uma investigação contra o filho de seu provável adversário, em sua busca pela reeleição, em novembro deste ano, ou seja, uma questão pessoal com fins de modificar o pensamento político da nação em benefício próprio.

Uma oposição de cara nova

Todo esse contexto fez com que os partidários do Partido Democrata; especialmente a crescente corrente jovem, mais progressista e liberal, que já chega a abrigar metade dos partidários (lembrando que nos EUA isso é definido pelo ponto de vista social, não econômico); terem cada vez mais uma grande aversão a qualquer tipo de trapaça. Por isso, coletivamente, a nova geração democrata está abandonando a filosofia do “vale tudo para vencer”, que por muito tempo marcou a experiência esportiva americana.

A fissura política na sociedade americana é tão forte que as pesquisas sociológicas estão mostrando recentemente que as pessoas estão mudando suas convicções pessoais apenas para se alinhar aquela a que seu partido milita. Quando o natural seria o exato oposto: de se escolher o partido de acordo com o que se pensa (o excelente site FiveThirtyEight abordou tal fato).

Logo, cada vez mais os democratas estão tomando ojeriza a qualquer forma de trapaça, mau-caratismo ou qualquer outra atitude que eles acreditem que seja parecida com as atitudes fora dos padrões éticos históricos, que cada vez mais marcam a presidência de Trump.

“Poli(tico)esportivo”

É aqui que a política começa a se misturar com o esporte, afinal o ser humano político é o mesmo ser humano esportivo.

Por mais que a MLB, no geral, tenha uma fan base ligeiramente mais republicana do que a nação como um todo (a diferença fica em torno de 1% ou 2%), tem seus principais mercados focados justamente nas duas áreas dos EUA mais democratas e, principalmente, bases da “resistência anti-trumpista”: o Nordeste americano (considerado aqui de Washington D.C. para cima) e as duas maiores metrópoles da Califórnia, Los Angeles e San Francisco. Só nessa área ficam nada menos que 11 dos 30 times da MLB: Yankees, Mets, Red Sox, Orioles, Nationals, Phillies, Giants, A’s, Dodgers, Angeles e Padres.

Além desses 11, podemos incluir os 2 times de Chicago, Cubs e White Sox. Apesar de não ficarem em nenhuma dessas duas áreas, também é um importante reduto democrata. Inclusive, foi onde Obama fez toda sua carreira política. Ou seja, praticamente metade dos times da MLB ficam em redutos democratas. Pior, quase todos os times mais fortes e tradicionais estão nesta lista. Do top 6, em tamanho de torcida, só o Cardinals fica fora.

Está faltando jovem (democrata) na MLB?

Também se sabe que a MLB está ficando apavorada com o rápido envelhecimento da base de fãs. Algo que deve prejudicar o valor de mercado de todos os times da liga, no médio e longo prazo. Isso acontece devido ao envelhecimento da base ser o primeiro passo para o decréscimo dela.

Também se sabe que, diferente da NFL; que domina as negociações de mercados nacionais, a MLB tem sua grande base na força dos mercados regionais de cada um dos times; ou seja, a MLB é muito mais dependente da base local de fãs do que a nacionalizada NFL.

Além disso, por mais que a NFL tenha uma base bastante diversificada entre democratas e republicanos em cada um de seus times (mais uma vez o FiveThirtyEight tem uma matéria excelente sobre isso), vários de seus principais times ficam em locais de forte eleitorado republicano, especialmente trumpista.

Cowboys, Chiefs, Steelers e até o Patriots. Pois é, apesar do Patriots ficar em pleno reduto democrata de Boston, os dados do FiveThirtyEight mostram que a fan base do Patriots é consideravelmente mais republicana que a média da NFL. Talvez até pela grande pulverização de fãs por todo o território americano.

As gerações das ligas

Então, como a MLB é ligeiramente mais republicana que a própria NFL? Talvez uma das principais explicações seja justamente essa altíssima idade média do fã de baseball, 53 anos.

Nessa polarização, de forma geral, cada vez mais os mais jovens estão se identificando como democratas. Enquanto a base do Partido Republicano, está ficando a uma distância ainda maior da média de idade da base Democrata. Já criando uma real diferença geracional.

Não deve ser mera coincidência que a base de fans da NFL, 6 anos mais jovens que a da MLB, tenha uma percentagem menor de republicanos. Muito menos coincidência é o fato que a base de fans da NBA, enormes 16 anos mais jovens em média do que a da MLB, tenha uma percentagem absurdamente maior de democratas do que a MLB e a NFL.

Uma solução heterodoxa

Onde estão mais concentrados essa nova onda de jovens liberais democratas que cresceu consideravelmente nos últimos anos? Justamente no Nordeste e na Califórnia.

Se a MLB precisa de forma urgente rejuvenescer sua base de fãs, tem sua força nos mercados locais de cada um dos times e tem, consideravelmente, seus mercados mais fortes em locais altamente progressistas e liberais, quem ela precisa mirar para atrair como fãs da MLB?

Justamente esses jovens liberais com tendência a apoiar o Partido Democrata. Aplicar uma punição exemplar a um esquema de trapaça não seria uma forma perfeita de marcar posição a favor da ética e do jogo limpo?

Essa posição não seria um belo aperitivo para atrair esses jovens que, graças a sua posição partidária, colocou esses valores como fundamentais em suas vidas?

Que chance a MLB perdeu de resolver um de seus maiores dilemas comerciais sem sequer precisar explicar a decisão dessa forma. Ninguém perceberia que uma cassação de título poderia também ter cunho mercadológico. Dessa forma a Liga não entraria para a arena da mera disputa política, na qual a NBA vez ou outra acaba se vendo envolvida.

Este post tem 6 comentários

  1. Renato

    Bom dia, eu tenho interesse pelo assunto e vejo que o texto é interessante, mas a falta de letras maiúsculas no texto (assim como a impossibilidade de colocá-las neste comentário) me incomodaram um pouco e me desestimularam a ler o texto completo. Com isso, eu sugiro (de boa mesmo) é que se mudasse essa configuração, tendo em vista tratar-se de texto em norma culta e longo… segue uma sugestão de quem
    Pode vir a ser um seguidor do site… atenciosamente,

    1. Felipe Martins Clemente

      oi renato!
      estamos trabalhando nisso. obrigado pelo comentário.

  2. Thiago

    O âmago do texto repousa na idéia geral de que ESQUERDISTAS não são coniventes com trapaças ( rindo ao infinito e além ), e que por conseguinte, por meio de dedução lógica, aqueles que não estão chateados com a posição da MLB, tendem à ser os DIREITISTAS, o que por si só, nas entre linhas é claro, demonstraria os valores morais dos mesmos. Pauta esportiva com recheio político pra esquerdista aplaudir!

    1. Felipe Martins Clemente

      boa tarde thiago, o texto em seu âmago não associa trapaça a direitista ou esquerdista, apenas diz que uma ação de trump, gerou uma reação do outro lado. reação essa, no caso, abortar a ideia de “ganhar a qualquer custo” que sempre existiu na cultura americana. agora, o seu comentário tem até um fundo de verdade, já que os republicanos (direitistas como você chamou), continuam apoiando as trapaças de trump. entretanto, nesse ponto, a culpa não é do texto.

  3. Pedro

    Poderia esse desgosto da MLB em não ter um campeão ter alguma ligação com o lockout de 1994 onde aconteceu essa situação e pode ter deixado um gosto ruim para os fãs ?

    1. rafael rafic

      Pedro,

      Não há uma ligação específica com a greve de 94, é algo muito mais enraizado na cultura americana mesmo. Vide a extrema dificuldade da MLS em fazer o público aceitar os empates, tão comuns em jogos de futebol, quando ela começou nos EUA. Até hoje o futebol não é lá muito popular com o americano típico, sendo que o maior público são dos imigrantes latinos e seus descendentes, apesar disso estar mudando bem lentamente.

      Indo ainda mais distante no tempo, você já ouviu falar em empate no basquete? Não, porque ele não existe. Toda vez que empata há infinitas prorrogações até alguém ganhar. Qual seria o problema de deixar um jogo de basquete terminar empatado? Mas o basquete é um esporte que surgiu nos Estados Unidos ainda no fim do século XIX e então inventaram a prorrogação, como está delineado nas 13ª das regras originais ainda de 1891. Ou seja, quese 130 anos atrás. Isso é muito mais antigo do que a greve de 1994.

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