Acalentou um anseio amargo, austero, amavelmente ambicioso. Havana era palco de um sonho mundial. Mais tarde, saberia que outros povos tão distantes olharam para sua pequena ilha como o Éden da liberdade, da fraternidade e da igualdade. Antagonismos, alguns erros (muitos erros) deixariam sonhadores um tanto confusos sobre se de fato sonhavam ou se estavam vivendo a vida que um deus enganador lhes impusera viver.

Ele seguiu seu anseio amargo, amavelmente ambicioso. Antes de explodir a revolução, vira erguerem-se os muros, arquibancadas, a relva de cheiro doce do que, à época, era o Grande Estádio de Havana. Aqueles barbudos da “Sierra Maestra” dariam àquele teatro do esporte um outro nome: Estádio Latinoamericano. Ares socialistas.

Jornais, ondas de rádio emitiam notícias de guerras, revoluções. Dentro dele o que revolvia era apenas a vibração do contato entre taco e bola. Sua guerra mais intensa era entre o “lanzador” e o “pateador”. Seus olhos e ouvidos de criança sabiam e entendiam muito pouco de revoltas e disputas para além daquelas que presenciara por entre as grades dos portões do majestoso estádio.

Peças sobre um tabuleiro

No “Paseo Madrid” sempre vira senhores distintos “charlando” sobre “béisbol” como se movessem peças em um tabuleiro de Xadrez. Moleques como ele, com luvas surradas e bolas tanto quanto, vertiam no ar aquele jogo infantil de ser “Miñoso”, “Oliva” ou “Tiant”.

No Malecon, quando amargava o anseio, ficava um tempo vendo e ouvindo as ondas se baterem contra as pedras. Tantas vezes chegara bem perto da amurada para sentir o orvalho salgado das pequenas gotículas que revoavam.

Mais tarde, soube de jangadas tíbias que saíam pelo golfo na busca de oportunidades e sonhos ainda mais ambiciosos e amargos quanto os dele. As jangadas, no mais das vezes, não chegavam ao seu destino. Sonhos partidos, memórias ácidas, lágrimas.

Jangada de pedra

O “Industriales” fazia sua vida menos travosa. À essa altura, seu sonho era uma fina névoa escorrendo pelo tempo. Juan Padilla, Germán Mesa, “El Duque” Hernández o faziam sorrir enquanto o que se discutia, no Capitólio, era um tal embargo que ainda destroça sua pequena jangada de pedra.

Seu anseio, austero e amargo, amavelmente ambicioso, já é o de tantos outros moleques que ainda habitam “El Prado”, rodeado de casas decrépitas. O sonho era já uma herança compartilhada. Outros seriam o que ele nunca pudera ter sido. Tantos o foram. René Arocha “en los Cardenales” de St. Louis. Yunel Escobar pelos “Bravos”, em Atlanta. Que preço pagaram!

Decepções

Septuagenário, se alegrou, mas não confiou, todavia, nas notícias sobre um acordo que não exigiria mais que jovens estivessem nas mãos de “coiotes”, traficantes ou navegassem em águas tenebrosas para, simplesmente, serem crianças que realizavam seus sonhos, os sonhos dele também.

O acordo esbarrou em interesses outros. As tantas pancadas e cicatrizes deixadas por decepções ainda maiores fizeram com que essa fosse, lamentava, apenas mais uma. Ainda será preciso virar as costas para Cuba se seu querer for viver a vida de “liberdade” que te priva de ser cubano.

O anseio ainda é amargo, ambicioso e austero para aqueles que, como ele, somente sonharam em sentir a vibração do contato entre taco e bola.