Em alguns momentos, nos deparamos com situações nas quais nossos valores e crenças são colocados à prova. Nem tudo que é óbvio para nós, é para os outros, afinal o conceito de moral é “conjunto de crenças, costumes, valores e normas de uma pessoa”.
A crescente onda política que presenciamos, marcada com a disseminação de fake news e absurdos proferidos por governantes comprova meu ponto. Se não nos faz bem ver um ídolo seu apoiar alguma coisa errada, é mais chato ainda quando é o seu time do coração que faz isso. Esse é o tema da coluna de hoje: o que fazer quando seu time erra grosseiramente e afronta sua moral?
O que eu tenho de diferente para poder escrever sobre o assunto? Se puxarem minha ficha no site, verão que eu torço pro Houston Astros. Para quem não sabe, o Houston Astros foi pego roubando sinais dos arremessadores em 2017, ano do título da equipe na World Series e no qual eu passei a ser torcedor.
Meu histórico
Por ser recente e por não ter um laço tão forte, decidi não abordar diretamente sobre o Houston Astros, mas sobre outro clube, de futebol, que torço e que também se envolveu em um escândalo de proporções históricas: a Juventus de Turim.
Um time de oligarcas, envolvido em um polêmico escândalo de corrupção em 2006 mal esclarecido até hoje, que não soube lidar de forma clara com a acusação de estupro do Cristiano Ronaldo e nem com as manifestações racistas na Itália recentemente.
Passei a torcer pro time em 2006, antes da Copa do Mundo, e consequentemente, antes do calciopoli; o nome dado ao escândalo de corrupção. Eu não fazia ideia do que acontecia na época, com meus poucos 11 anos de idade, mas repentinamente eu soube que o time que eu passei a gostar tanto, tinha sido rebaixado por uma decisão extracampo.
O julgamento, as punições e o rebaixamento foram injustos; manipulado pelos interesses de outros clubes que tinham “padrinhos” mais fortes na sociedade italiana, mas esse não é o assunto desta resenha. Em meio a isso tudo, o time conseguiu se reerguer e dar a volta por cima, reconquistando a hegemonia na Itália. Durante este processo, este que vos escreve teve algumas alegrias e outros tantos estresses com a Juventus.
Eu sempre busquei saber dos problemas do clube e, por mais que alguns casos tenham desfechos mais positivos para a imagem do clube (como a retirada da acusação sobre o caso do Cristiano Ronaldo), ainda incomodava o clube não ser protagonista na luta contra o racismo no futebol italiano.
O guia, parte 1 – O mistério do amor
Dito isso tudo, fica a pergunta: o que eu faço quando o meu time só erra grosseiramente?
Antes de tudo: existe o mistério do amor. As vezes não sabemos direito o porquê gostamos de alguém, ou, no caso, de algum time. Tem quem torça por causa dos pais, da cidade, da cultura, mas há aqueles casos que simplesmente não temos resposta, nem faz qualquer sentido do ponto de vista racional.
Isso costuma ser ainda mais comum no caso de brasileiros que moram muito longe das equipes americanas para as quais torcem. Nesse caso, seu único crime é amar demais. Mas é importante lembrar sempre: não é culpa sua. Seu amigo pode apontar todos os defeitos do seu time, ele pode ter feito o que for, mas nada do que aconteceu é culpa sua, não importa.
A não ser que você tenha instalado as câmeras no Minute Maid Park…
Por que culpar um mero mortal, que está a quilômetros de distância do time e não tem qualquer ingerência sobre o mesmo? Na mesma lógica de empresas, a culpa nunca deve ser do consumidor e, nesta hipótese, o torcedor nada mais é do que o consumidor. Isso é especialmente correto quando observamos que alguns clubes são geridos por pessoas inescrupulosas.
O guia, parte 2 – Aceitação
O próximo passo é a aceitação. Para saber lidar com seus demônios, antes é preciso reconhecer a existência deles. No meu caso, por exemplo, é inegável que a Juventus participou num esquema sórdido, junto com uma parcela considerável da liga italiana, de influência sobre os árbitros. Foi a única que pagou pelo erro? Sim. Serviu de bode expiatório para os demais? Serviu, também por motivos políticos sem relação com a tramoia em si.
Mas é inegável que o clube se envolveu no esquema que outros clubes da liga fizeram e não há o que eu possa mudar sobre isso. Você também deve manter a coerência e rebater tudo o que achar ruim, não importa de onde venha. De nada adianta você bradar aos quatros cantos que é contra certa conduta, se quando é com seu clube, você fica calado.
Você precisa falar que eles também estão errados e apontar o mesmo. Se um movimento de massa de torcedores mostrarem sua repugnância, algo pode mudar. Até uma produtora mudou a cara do Sonic pela quantidade de piadas feitas pela a internet. Deve-se combater o que te incomoda para que você possa focar naquilo que te apaixona no clube.
O guia, parte 3 – Não existe bom ou mau
O último passo é você entender que, no mundo dos negócios não existe o bom ou o mau e, por isso, é possível que ocorra uma nova decepção. Eu gosto de uma frase do Filipe Figueiredo, do Xadrez Verbal: “Em Relações Internacionais, não existe bom ou mau. Existem interesses.”. Querendo ou não, o esporte profissional é um negócio.
Provavelmente, nenhum clube hesitará em vender o ídolo do time, ou, omitir de opinar sobre alguma polêmica se isso for o melhor para o balanço financeiro do time. Logo, se o seu time é um daqueles que busca lucros incessantemente, ele venderá seu jogador favorito assim que tiver uma proposta interessante. Se ele é gerido por uma elite branca e rica, não tenha a vã esperança que ele será pioneiro no combate ao racismo estrutural.
Ao final de tudo, o importante é você se sentir bem quanto a sua relação com o esporte. Se, mesmo após refletir sobre tudo o que foi escrito, as atitudes do seu time te incomodam, isso pode ser sinal de que está havendo algo semelhante a um relacionamento abusivo e um afastamento pode ser a melhor solução.
Mas é preciso ter sempre em mente, a culpa não é sua. Você não tem o poder de mudar o clube, nem de deixar de amá-lo. Mas se você tem a noção dos erros que ele comete e os combate no seu cotidiano, é mais fácil ficar confortável enquanto torce durante um jogo. Nessa onda bizarra de “cancelamentos” que estamos presenciando, é importante ressaltar que o time para o qual você torce, não define quem você é. Mas a sua relação aos erros dele, sim.