Bruce Bochy: mais que apenas títulos

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Neste domingo, por volta das 19h da noite, horário de Brasília, Jundiaí, Niterói e redondezas, Bruce Bochy tirará o boné de sua avantajada cabeça pela última vez na carreira. Ou ao menos, pela última vez como treinador do Giants. Então, nada mais justo que ter o Dodgers, o grande rival de toda sua carreira, como o último oponente.

Bigodão e cabeção, esse é Bruce Bochy desde mais jovem
Foi assim que a carreira começou.
Fonte: Bryan Murphy / McCovey Chronicles

Bochy vs Dodgers, último capítulo

Porém, se alguém ligar a TV hoje a noite (ou utilizar outros métodos de transmissão online) para assistir baseball pela primeira vez e ver Bochy no banco de San Francisco, jamais imaginaria que esse simpático e cabeçudo senhor foi tricampeão na última década.

Que está fazendo um tour de despedida esse ano. Que é o maior técnico da história do Giants, desde que se mudaram para San Francisco e também o maior da história do Padres. Além de tudo isso, ainda é escolha quase certa para o hall da fama, quando elegível, em 2021.

Para essa homenagem a Bruce Douglas Bochy, 1,91m, nascido em Landes de Boussac, na França, esse humilde torcedor e colunista do tailgate zone poderia falar de todos os feitos da sua carreira. De suas origens, como catcher mediano, até seus triunfos no Padres e no Giants. Mas isso será feito por muitos por aí.

Decidi, em vez disso, relembrar alguns pequenos casos, irrelevantes no currículo, mas que demonstram, acima de tudo, o caráter fenomenal, a rapidez de raciocínio e a inteligência correspondente a circunferência de sua cabeça.

Um “pequeno” parênteses, precisamos falar da cabeça

Peço desculpas por me referir a cabeça de Bochy em cada parágrafo até agora, mas temos que entender. Com uma circunferência de cerca de 65 cm, tamanho XXXL em algumas lojas de boné, Bochy tem uma das, se não a maior, cabeça da MLB.

Enquanto era jogador, levava seus capacetes sempre que mudava de time, mudando só a pintura, já que nenhum outro capacete cabia. Seus capacetes eram inclusive usados como coolers após os jogos nas minor leagues, esfriando seis cervejas de cada vez. Já seus bobbleheads, bonequinhos tradicionalmente cabeçudos, são ainda mais cabeçudos.

Baita cabeça, não é mesmo?
Percebam, não é exagero meu!
Fonte: Bryan Murphy / McCovey Chronicles

Enfim, vamos ao objetivo da nossa história: relembrar e homenagear o homem, não o técnico, que marcou vidas do sul ao norte da califórnia. Entre tantas histórias marcantes, decidimos selecionar três.

Elas demonstram muito mais o espírito competitivo e o respeito por seus adversários, do que contar mais uma vez como ele deixou Madbum por cinco entradas para vencer a World Series de 2014 e entrar para a história.

Virada de jogo na inteligência

Quatro anos antes disso, enquanto Bochy ainda era apenas um técnico experiente, mas em busca do seu primeiro título, seu Giants enfrentou o Dodgers em uma série no meio de julho. Ambos os times perseguiam o Padres, que estava quatro ou cinco jogos a frente.

9ª entrada, 5-4 Dodgers, bases lotadas, um eliminado. Com o manager Joe Torre expulso, o bench coach Don Mattingly vai ao montinho conversar com Jonathan Broxton, seu closer. Fim de conversa, Mattingly começa a voltar ao banco, se lembra de algo mais, vira para trás e passa uma última informação ao closer.

Os árbitros perceberam, mas existem regras no baseball que só são aplicadas se o técnico adversário perceber e protestar. Pois bem, Bochy conhecia a regra 8.06, que diz que quando um manager pisa fora do montinho, a visita acabou.

Qualquer retorno depois disso é uma 2ª visita, o que obriga o pitcher a ser removido do jogo. Pois bem, Bochy, usando toda a vastidão do seu cérebro, imediatamente alertou os árbitros. Estes obrigaram o Dodgers a sacar seu closer e colocar um pitcher frio e despreparado em campo.

Resultado: no 2º arremesso, dupla de Andres Torres, 6-5 Giants, e o caminho para a vitória estava traçado. Coincidência ou não, o Dodgers nunca se recuperou no ano após essa série.

E você achou que essa cara era só de alguém pensando no whisky que vai beber quando chegar em casa.
Fonte: Justin Edmonds / Getty Images

Humildade na vitória

Bom, vamos avançar três meses no tempo, outubro de 2010. NLDS entre Giants e Braves, jogo 4 em Atlanta e o Giants vencia a série por 2-1. Já era sabido que o lendário Bobby Cox, manager que levou os braves a 14 títulos seguidos de divisão, estava se aposentando ao fim da temporada. Após um 3-2 bastante disputado, o Giants avançava a NLCS, enquanto Atlanta se despedia do seu histórico treinador.

É aí que veio o inesperado: antes de qualquer champanhe ser estourada, enquanto a torcia ainda gritava “Bobby! Bobby! Bobby!”, Bruce Bochy levou todos seus jogadores de volta ao gramado para saudar Cox uma última vez.

O durão Bobby Cox foi aos prantos ao saudar de volta. E talvez ainda mais significativo que isso, na semana passada, na última visita de Bochy a Atlanta, Cox foi ao estádio para um encontro particular com seu amigo e ex-adversário, enquanto ainda se recupera de um forte derrame. As vitórias passam, o respeito sempre fica.

Humildade na derrota

Por fim, o 3º e último caso, quase cinco anos depois. Setembro de 2015, sete jogos para o fim do ano. Giants e Dodgers, se enfrentariam por quatro vezes em Los Angeles. A diferença entre os times era de seis jogos, obrigando o Giants a uma varrida para continuar sonhando com os playoffs. Após uma vitória por 3-2 no primeiro jogo, vinha mais um épico Kershaw vs Madbum no segundo.

Nove entradas, 2:43h, 13 strikeouts, e uma rebatida cedida depois, Kershaw havia desmantelado o Giants, pedaço por pedaço, sem deixar rastros. Um sonoro 8-0 para garantir mais um título da NL West e a vaga nos playoffs. Bochy podia fazer o simples, se retirar de campo, levando todo o time para o vestiário, e deixar o Dodgers festejar sua conquista.

Reapareceu então a mesma classe que o levou a saudar Bobby Cox em Atlanta. Bochy mais uma vez saiu do dugout, acenou o boné, saudou os rivais, e só aí, reconhecimento dado, se retirou. Pode parecer um gesto pequeno, mas foi grande o suficiente para ficar na memória até de fãs do arquirrival.

Aliás, foi um deles, nosso querido Fernando Franca, que não pode escrever essa matéria comigo hoje, que pediu que acrescentasse essa história aqui, a mais marcante do Bochy para ele.

O reconhecimento do arquirrival

E é por isso que terminamos com ela e com outro emocionante momento envolvendo o grande rival. Na última série em los angeles, no início do mês, Bochy foi homenageado no jogo de despedida. Vin Scully, a eterna voz do Dodgers, saiu do conforto da sua aposentadoria para anunciar Bochy pela última vez.

Sandy Koufax, um dos maiores pitchers da história, assinou uma camisa sua e enviou de souvenir. Dave Roberts, manager de LA, apresentou Bochy como o manager adversário com mais vitórias no Dodger Stadium na história. Após tantas gentilezas, Bochy devolveu com a mais sábia delas, acenar em direção aos modestos aplausos e se retirar sem falar nada… Antes que a torcida mudasse de idéia!

essa tirada de boné, que homem!
A homenagem no Dodger Stadium.
Fonte: Kelvin Kuo / AP Photo

Ainda há uma última despedida. A maior delas. Domingo, no Oracle Park (Nunca será! Saudades, AT&T Park). Não se sabe quem vai, ou quantos ex-jogadores, ou que será feito, mas é certeza que será memorável. Quando Bochy retirar seu boné XXXL pela última vez em direção a torcida, que tanto o amou, indicará o fim de uma era em San Francisco.

Ano que vem, com um novo manager, a nova direção a toda, talvez diversos novos jogadores, a era Bochy estará oficialmente na memória. Na memória de todos que um dia vibraram ao menos uma vez, seja pelo Giants ou pelo Padres, com uma vitória comandada por Bruce Bochy.

Nos vemos em Cooperstown

E entao, em janeiro de 2022, Bochy provavelmente subirá em um palco, dessa vez de terno, não de boné, e ao seu lado estará uma placa de bronze com seu rosto esculpido. Resta saber, se no hall da fama, também terão a presença de espírito de esculpir uma cabeça XXXL na placa.

Thank you Bochy!

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