Trabalhar ideias, textos, filmes ou qualquer coisa que envolva esporte e política, é sempre uma tarefa difícil. Não precisamos ir muito longe para encontrar casos (aqui) em que alguém fique tristinho com isso.
Bom, por este começo já pode imaginar qual é a minha posição. Esporte é vida, esporte é meio de transformação, por isso deve sim, trazer discussões de nossa sociedade. Tudo pode ser uma forma de protesto. Até mesmo quando você vai num show de rock, saiba que música também pode ser crítica. Cada um pode (e deve) usar o palanque que tem para defender suas causas.
Enfim, como eu estava conversando com vocês, a tarefa de apresentar esse tipo de discussão é muito complicada. Imagina então, se eu juntar a essa discussão mais dois países completamente diferentes. Agora imagina se um desses países, para muitos, é sinônimo “do coisa ruim”. Sinônimo de tudo aquilo que “lutamos contra”. Sinônimo de um partido que “matou nosso país”.
Num mundo onde tudo é tratado de forma binária (é, eu sou de exatas, essa comparação é mais fácil), colocar Cuba e EUA na mesma frase e ainda usar a palavra “acordo” acabou por me tirar algumas noites de sono. Não com o medo de ser tratado como um comunista, ou então, como um fascista. Entretanto,o medo era de “estragar” algo – que amo – justamente pela falta de sensatez dos últimos tempos.
negociações
Logo após longos anos de negociações (três anos), muito dinheiro gasto (fazendo lobby) e até uma foto de Barack Obama com Raul Castro, finalmente um acordo. No final do ano passado, a MLB e a MLBPA (a associação dos jogadores da MLB, algo como um sindicato dos jogadores), fecharam um acordo com a liga cubana de beisebol, a FCB.
Este acordo permite que os jogadores da liga cubana, assinem contratos com os times da MLB, sem a necessidade deles desertarem! Isso mesmo, desertarem, já entraremos nesse assunto. O acordo firmado entre as partes, é muito semelhante ao utilizado com outras ligas – liga japonesa (NPB), liga sul-coreana (KBO) e liga taiwanesa (CPBL).
Apenas semelhante, pois existe uma diferença que (com certeza) o brasileiro tenha gravada em sua memória, graças ao programa “mais médicos”. Nesse acordo, o bônus de assinatura do contrato será repassado à federação cubana e não aos clubes, como é no caso das outras ligas. Pois é, moldes do governo comunista cubano. Aliás, como é aquela frase mesmo, “Minha casa minhas regras”? Então, por que vamos nos me meter?
mudança na política cubana
Este acordo ocorre no mesmo momento em que o parlamento cubano trabalhava uma nova constituição. Dois dias após o anúncio desse acordo, lá em Cuba foi aprovado um projeto que reconhece o papel do mercado e da propriedade privada. Entretanto sem renunciar o comunismo como meta. É isso mesmo, você não leu errado, aliás, tem mais, esse projeto foi aprovado em referendo popular por 86,8%.
O comunismo continuará sendo o norte do país, mas com a nova constituição, aceita as mudanças sociais e econômicas que vem ocorrendo no país na última década. Dessa forma, agora, Cuba estaria aberta a abrigar os milionários jogadores cubanos da MLB.
o acordo
Como já falei mais pra cima, o acordo seguirá como em outras ligas, com exceção às “indenizações”, que serão pagas à federação cubana ao invés do clube. Sendo assim, jogadores de pelo menos 25 anos com seis anos de experiência profissional, estarão livres para negociar contratos com a MLB.
Esses jogadores são conhecidos como “profissionais estrangeiros” pela MLB. Já para os jogadores com menos de 25 anos, pode ser um pouco mais complicado. A federação cubana disse que aceitará negociar esses jogadores, mas analisará caso a caso. Então, caso esse jogador seja liberado, a federação cubana deverá receber uma taxa de compensação, algo como uma indenização.
Os recebimentos do governo cubano, serão apenas essas taxas. Os salários negociados, serão pagos integralmente aos jogadores. Enfim, vamos falar das taxas. Para o primeiro caso, “profissionais estrangeiros”, ela deverá ser paga à federação cubana. A taxa será entre 15% e 20% do valor do contrato. Mais precisamente, conforme matéria da revista Forbes, a fórmula para essa “indenização” é a seguinte:
- 20% dos primeiros $25 milhões em dinheiro garantido no contrato
- 17,5% da diferença entre os $25 milhões até $50 milhões
- 15% para qualquer valor acima de $50 milhões
- Para contratos de liga menores, 25% do bônus de assinatura (similar ao que é chamado de “luvas” no futebol brasileiro)
Apenas para exemplificar, imagine um jogador com um contrato de $42 milhões. De acordo com esse sistema de “indenização”, a federação cubana receberá $7,975 milhões. Vamos as contas:
- 20% dos primeiros $25 milhões, $5 milhões;
- O contrato passa de $25 milhões, mas o restante não ultrapassa os $50 milhões, logo 17,5% de $17 milhões, $2,975 milhões;
- Somando as duas, teremos a indenização de $7,975 milhões.
o tráfico
O acordo tem um prazo de três anos, seu término será em Outubro de 2021. Conforme palavras de Rob Manfred, o comissário da MLB, esse acordo tem o objetivo de acabar com o tráfico de jogadores de baseball. Ele ainda disse que por muito tempo a liga vem buscando formas de ajustar esse problema.
O país caribenho tem muita tradição no baseball e o tráfico de jogadores citado por Manfred, teve início nos anos 90. Devido a guerra fira e diversos problemas políticos e econômicos com os EUA, os jogadors cubanos começaram a desertar. Ou seja, sair do país e procurar residência em outros países, para que fosse possível negociar contrato com a maior liga de baseball do planeta.
Entretanto, as autoridades cubanas cercavam a costa e essa missão era extremamente complicada. Orlando Hernandez, arremessador, quatro vezes campeão da world series (três pelos Yankees e uma pelo white sox), talvez seja o primeiro grande caso. Ao fugir do país, acabou encalhado numa ilha das Bahamas por muitos dias. Até que a guarda costeira americana encontrou o jogador e levou para os EUA.
Essa é apenas uma história, existem diversas outras. Como o primeira base Jose Abreu, que comeu o seu passaporte falso para escapar de autoridades haitianas. Ou até mais recente, Jose Fernandez, antigo arremessador dos Marlins (que infelizmente, nos deixou muito cedo), salvando sua mãe de um afogamento enquanto cruzavam o estreito da flórida.
Também temos a triste história de Yoenis Céspedes. A estrela dos Mets, teve seu barco quebrado e ficou a deriva até chegar nas ilhas turks e caicos. Ele conta que junto com sua família precisou matar iguana, gaivota e caranguejos para se alimentarem.
um porta voz
Embora todas essas sejam histórias difíceis, a que mais repercutiu, foi daquele que resolveu deixar a situação a mais clara possível: Yasiel Puig. O outfielder dos dodgers mudou atitudes da liga e de fãs em 2014 ao contar a sua história.
O Los Angeles Magazine, publicou a entrevista com o jogador e ela caiu como uma bomba na cabeça de todos, liga e fãs. Então ao redor dos estados unidos, a atenção se voltou totalmente para outro elemento da deserção: os “traficantes”.
No caso de Puig, eram traficantes mesmo (já vamos contar). Entretanto, em outros casos, meros aproveitadores que “tornavam possível” o transporte dos jogadores para outros países. O outfielder dos Dodgers, teve sua fuga toda planejada por um cartel de traficantes mexicanos (Los Zetas).
Usando uma lancha, eles prometeram levar Puig e mais três, até a península de Yucatan. Os companheiros de Puig nessa “viagem” eram: um lutador de boxe, uma pinup e um sacerdote da religião Santeria! De acordo com o jogador, seu “agente” prometeu pagar ao cartel $250 mil pelo transporte, porém ele não sabia que seu “agente” precisaria receber os 20% do contrato de Puig para conseguir pagar os traficantes.
Com isso, Puig foi refém do cartel até que recebessem o dinheiro. Dois anos depois, após sua história ser divulgada, um júri na Flórida conseguiu interrogar dois traficantes. Eles reveleram um negócio (tráfico de jogadores) muito lucrativo. Um deles revelou ter recebido $13,6 milhões para ajudar dois jogadores a deixarem Cuba.
tudo certo, nada resolvido
O caso de Puig e a “descoberta” desse mercado negro, além da pressão popular, foi o que fez a MLB começar as negociações com o governo Cubano. Enfim, como eu já disse, acordo feito e temos tudo certo entre MLB e Cuba, sendo assim, tudo resolvido… só que não.
Algumas horas após o acordo, o The new york times divulgou um comunicado da casa branca. No comunicado, o governo de Donald Trump afirmou que continuará dificultando qualquer lucro que o governo cubano possa ter com negócios baseados nos EUA.
Mais do que o governo de Donald Trump, também existem muitos cubanos-americanos, de grande importância no cenário político da Flórida, que não querem nenhum acordo com o governo de cuba. Essa frente é representada por um senador do partido republicano, Marco Rubio. Filho de Cubanos que emigraram de Cuba, antes mesmo de Fidel Castro tomar o poder, pediu que a casa branca revise (trave) o acordo.
Segundo ele, se MLB e Cuba estão preocupados com a segurança dos jogadores que desertam, que Cuba deixe os jogadores livres e pare de tratá-los como propriedades. Dessa forma, sem o sinal verde da casa branca, as franquias ainda não foram “garimpar” talentos em Cuba.
No entanto, a federação cubana de baseball já prepara uma lista de 10 a 15 jogadores elegíveis para a MLB. Essa lista será apresentada a Rob Manfred no dia 31 de março. Nela teremos arremessadores, primeiras bases, shortstops e um catcher que atua no Japão.
quem paga essa briga?
A briga parece não ter um fim tão rápido e talvez não tenha um final muito feliz. Principalmente para os jogadores, pois o acordo também prevê, que caso um jogador deserte, ele só poderá acertar contrato com uma franquia, no segundo mês de julho após a sua deserção.
Ou seja, em qualquer um dos casos, seja sem a aprovação ou a demora para a sinalização do governo, quem sairá perdendo é o jogador. Ou por desertar e levar tempo para conseguir o contrato. Ou então por ter que continuar desertando e seguir correndo riscos nas travessias.
a esperança para os cubanos
Em Cuba, pela população, o acordo é muito bem visto. Com ele, jogadores poderiam retornar ao país sem sofrer punição. Inclusive conseguiriam fazer parte de times nacionais na offseason da MLB. Muitos jogadores estão ansiosos por isso e também por poder rever sua família.
Kendrys Morales, primeira base do toronto blue jays, diz que não há nada melhor que poder voltar a seu país. Jogar para os fãs que viram o seu início de carreira é um sonho. Ele também acrescentou que poder sair e voltar de Cuba, sem restrições seria maravilhoso.
uma potência em decadência
Uma grande potência no baseball durante o final dos anos 90 e começo dos anos 2000, hoje Cuba fica no passado. Para Kit Krieger, um antigo observador do baseball cubano, hoje em dia qualquer time de universidade americana poderia jogar na liga cubana.
A grande saída de jogadores para ligas estrangeiras, a economia com problemas e a crescente popularidade do futebol, faz com que o baseball perca sua força e qualidade no país. Um país que em cinco edições de baseball olímpico, ganhou três ouros, perde sua força no retorno do baseball as olimpíadas (tóquio 2020).
o poder virou a essência
O mais triste de tudo é que nesse ponto o esporte perdeu o seu sentido. A disciplina, a união, o respeito. É travada uma briga que nem está sendo criada por um dos principais motivos recentes (o dinheiro). A briga é apenas por quem pode mais, por “ideologias” ou “comportamentos” sem sentido.
Acho muito melhor voltar a uma competição por vitórias, corridas, home runs… evolução! Nem direita nem esquerda, nem capitalismo, nem comunismo. Existe um meio e lá estamos nós senhores. Onde existem sonhos, amor pelo jogo e a esperança de um futuro melhor. Não importando qual é a minha preferência, a minha nacionalidade, a minha cor, o meu gênero.