Esse texto sobre Satchel Paige faz parte de uma série em que estamos contando a história das Negro Leagues, que neste ano completam 100 anos. Para conhecer um pouco mais sobre elas, acesse aqui.

Fãs de MLB pelo mundo: alegrem-se! Teremos temporada em 2020. Não vai ser uma temporada completa, tudo bem! Mas para quem só contava com KBO (liga sul-coreana de beisebol) e NPB (liga japonesa de beisebol) nas madrugadas, 60 jogos mais os playoffs está ótimo! Porém, mesmo com as atenções voltadas para a retomada da temporada sempre é possível (e recomendável) conhecermos mais da história da MLB e de seus personagens.

E é para reverenciar a história de um dos maiores arremessadores que estou aqui. Vamos conhecer o icônico Leroy Robert Paige, mais conhecido como Satchel Paige. É sobre essa figura transcendental que vou me debruçar nessa coluna.

Infância

Leroy Robert Paige nasceu no já longínquo 1906. A cidade de Mobile, no Alabama, foi o palco da Terra que recebeu a vida desse ídolo. Filho de uma lavadeira e de um jardineiro, irmão de outros 11 filhos, Paige nasceu no coração da Confederação. Assim, a combinação pele negra mais pobreza dava-lhe um prognóstico pouco promissor.

Durante o período da “Reconstrução” pós-Guerra Civil a região onde Leroy nasceu era um espaço de boa integração étnica – irlandeses, judeus e creóles conviviam em relativa paz. Mas essa já não era a realidade durante a infância de Satchel. Os negros eram impedidos de frequentar restaurantes, cemitérios, bares, hotéis e mesmo bordeis. Além disso, brancos e negros não estudavam nas mesmas escolas; o casamento era proibido e nem o baseball poderia ser disputado nos mesmos ballparks.

A escritora estadunidense Harper Lee tem dois de seus maiores sucessos ambientados na região do Alabama onde Leroy Paige nasceu. “Vá, coloque um vigia!” e “O sol é para todos” contam histórias de racismo e discriminação em cidades como Mobile, Montgomery e Selma. Vale muito a leitura dessas obras.

O apelido

Aos 6 anos, como todos os garotos negros dessa idade em Mobile, Leroy tinha de tentar ganhar algum dinheiro para ajudar a família. Paige juntava garrafas vazias que encontrava pelos becos da cidade. Mas elas não rendiam os dez centavos de dólar que ele precisava levar todos os dias para casa. O apelido nasceria por conta de uma outra ocupação.

Foi então que o menino Leroy Paige resolveu tentar a vida na estação de trem próxima a Mobile. Leroy carregava malas e bolsas. Mas para poder ganhar mais ele inventou uma engenhoca capaz de levar várias bagagens de uma só vez. Foi então que um dos carregadores o comparou a uma “árvore de bolsas” (satchel tree). O apelido pegou!

Já a transformação de “Page” em “Paige” tem duas versões: uma da mãe e outra do próprio Satchel. Para sua mãe, o sobrenome “Page” a fazia pensar em “página” (page em inglês). No entanto, a versão de Leroy Paige soa mais cativante. Ele contou que seus familiares acrescentaram um “i” no sobrenome para dar um ar aristocrático. Assim nascia Satchel Paige.

O começo no baseball

O baseball era uma brincadeira de criança. Mas foi no reformatório que Satchel Paige se tornou um jogador. Pouco antes de completar 12 anos, Satchel foi enviado ao Reformatório do Alabama onde jovens negros infratores cumpriam pena. Além de pouco frequentar a escola, Paige parou de carregar bolsas e malas e passou a roubá-las. Mas não somente as bagagens eram roubadas. Qualquer coisa que pudesse ser facilmente carregada era alvo do púbere Satchel Paige. Ele não voltaria a ver a liberdade por 6 anos. O que no início seria um pesadelo se mostrou uma terrível realidade.

Se por um lado a privação de liberdade era ruim, por outro sobrava tempo para que o jovem Satchel fizesse o que mais gostava: arremessar basebolas. No reformatório havia um treinador, Edward Byrd, que fez de Paige seu protegido. Fisicamente, Satchel Paige era um privilegiado. Medindo mais de 1,5m, pesando 30 kg, com braços e pernas musculosos ficava fácil fazer a bolinha viajar do montinho ao home plate.

Com mãos grandes, que faziam a bola de baseball parecer uma bolinha de golfe, e com as orientações do coach Byrd, Paige construiu seu indefectível estilo de arremesso: pernas levantadas aos céus, o braço direito esticado o mais longe possível atrás do corpo que catapultava a bola com a máxima força.

Mas não só fisicamente se constrói um grande arremessador. Edward Byrd também ensinava a Satchel a importância de saber ler as reações do rebatedor, observar os joelhos, examiná-lo como um toureiro faz com o touro. Nessa “carreira” feita no reformatório Satchel Paige não queria saber de curveballs, sliders, nada disso. Era bola rápida em cima de bola rápida.

Negro Leagues

As Negro Leagues eram ligas profissionais de baseball dos Estados Unidos, sob a bandeira da segregação racial, em que jogadores afro-americanos, em sua maioria, e latinos, em menor quantidade, podiam atuar.

O jovem arremessador colocou essas lições debaixo do braço e foi exercitá-las nos times das Ligas Negras. O começo da carreira profissional foi no Chattanooga Black Lookouts (1926). Depois vieram Birmingham Black Barons (1927-1930); Baltimore Black Sox (1930); Cleveland Cubs (1931); Pittsburgh Crawfords (1932-1934, 1936); e Kansas City Monarchs (1935, 1939-1947).

Nos Monarchs, Paige foi companheiro de Jackie Robinson por três temporadas. Outras equipes em que Satchel atuou nas Negro Leagues foram New York Black Yankees (1941); Memphis Red Sox (1946) e Philadelphia Stars (1946 e 1950). Satchel Paige foi escolhido cinco vezes um All-star (1934, 1936, 1941-1943) e campeão em 1942.

Sua carreira durou longos 40 anos. Nenhum pitcher arremessou mais bolas, esteve em mais ballparks, jogou por mais times na história do que Satchel Paige. Da Califórnia a Maryland e Dakota do Norte, mesmo em Cuba, República Dominicana, Porto Rico e México, em todos esses lugares Satchel Paige brilhou.

A estrela do New York Yankees, Joe DiMaggio, certa feita enfrentou Satchel Paige em um jogo contratado. O time era o “Satchel Paige All-stars”. DiMaggio confessou que Paige foi o melhor e mais rápido arremessador contra quem ele jogou.

Na MLB

Apesar da carreira longeva, Satchel Paige só foi debutar na MLB em 1948. Vivendo sob a estupidez da barreira racial ele e outros talentos monumentais das Negro Leagues somente puderam brilhar na Major League a partir de 15 de abril de 1947, data que marca a estreia de Jackie Robinson pelo Brooklyn Dodgers (atual Los Angeles Dodgers).

E foi em 7 de julho de 1948, aos 42 anos, que Satchel fez seu primeiro arremesso na MLB pelo Cleveland Indians. Foi assim que Paige se tornou o rookie mais velho da história da Liga. Ele também foi o primeiro jogador negro a atuar na American League.

Durante a segunda metade daquela temporada de 1948, Satchel Paige registrou 6-1 (V-D) com um impressionante ERA de 2.48, ajudando os Indians a levarem a World Series (desde então Cleveland amarga a maior seca de títulos da MLB). Ele ainda jogaria mais uma temporada pelos Indians (atual Cleveland Guardians) até se transferir para o St. Louis Browns (atual Baltimore Orioles), time onde atuou por três temporadas (1951-1953).

Aos 59 anos, em 1965, Satchel Paige se tornou o jogador mais velho a arremessar por um time da MLB, o Kansas City Athletics (hoje, Oakland A’s). Foram três entradas sem ceder corridas, permitindo apenas uma rebatida. Satchel fechou sua carreira na Major League Baseball com 28-31, 32 saves e um ERA de 3.29.

A carreira estupenda de Satchel Paige pela MLB lhe rendeu duas convocações para o All-star (1952-53), a indicação para o Hall da Fama do Cleveland Indians, uma World Series e, em 1971, a nomeação para o Hall da Fama do Baseball.

Morte e legado

Um dos mais famosos jogadores do baseball, Paige viveu a vida em que se tornou separar o mito do jogador. Os relatos de seus talentos sem precedentes eram provavelmente verdadeiros. Paige ficou conhecido por suas bolas rápidas e por seu “estiloso” arremesso batizado de “hesitação” (hesitation). Mas ele podia fazer o que desejasse com a bola.

Paige escreveu algumas autobiografias, incluindo “Maybe I’ll Pitch Forever: A Great Baseball Player Tells the Hilarious Story Behind the Legend”, na qual discretamente lamentava não ter sido o primeiro jogador negro da MLB, em vez de Jackie Robinson. Mas ele suportou isso com serenidade.

O lendário arremessador morreu de ataque cardíaco em Kansas City, Missouri, em 8 de junho de 1982, menos de um mês antes de completar 75 anos.

Satchel Paige, senhoras e senhoras!