De repente se viu assentado nas arquibancadas de um ballpark. Sem entender o que aquilo significava tentou identificar onde exatamente estava. Estranhamente aquele não se parecia com nenhum dos estádios com os quais se habituou a ver nas transmissões da TV.
Ele que nunca houvera pisado em um ballpark sentia um misto de excitação e medo. Feliz por conhecer um; medo por não saber como chegara até ali. Sua mente ainda processava tudo: colunas; o campo externo direito com um placar; a imponência histórica do lugar. Sim, o ambiente exalava história.
Sem ter percebido antes, agora via que tudo se lhe chegava às retinas em preto e branco. Mais surpresas! Teria perdido a capacidade de ver outras cores? Ou aquele êxtase histórico queria dizer que aquelas eram imagens de um tempo em que a memória se processava em branco e preto?
Sozinho, ele estava ironicamente sozinho naquele monumento do Baseball. Já quase ambientado, resolveu levantar-se e andar um pouco. Explorar, conhecer mais; saber, enfim, onde estava. Em um dos corredores que davam para as arquibancadas leu em uma placa: “Ebbets Field, home of the Brooklyn Dodgers”. O que era medo se transformou em estupefação. Estava sonhando!
E seu sonho o colocou em um antigo templo do Baseball. No templo daquele que se transformaria no seu time do coração: o Los Angeles Dodgers. Brooklyn foi a casa da Blue Crew antes da mudança para a Califórnia, em 1958. Naquele lugar ele sabia que Jackie Robinson havia colocado os pés. Arrepiou-se!
Mas as imagens, para além do branco e preto, também eram um tanto embaçadas. Não lhe parecia que seu sonho o havia levado a 1947, ano em que Jackie Robinson fez sua histórica estreia na MLB. Tudo soava ainda mais antigo. O estádio já parecia ter experimentado a presença de outros públicos. Então ele sabia que aquele espaço-tempo ia além do ano de abertura do Ebbets Field: 1913.
Agora as coisas pareciam começar a fazer sentido. Mas ainda era desconhecido exatamente o porquê daquela sua visita. Seria mesmo apenas um tour? Somente seus anseios históricos se manifestando em forma de sonho? Haveria algo mais? Mais surpresas? Ainda percorria os corredores quando ouviu uma voz anunciando uma partida que aconteceria. Claro, mais surpresas se revelariam!
E de fato se estavam revelando! A voz nos alto-falantes anunciava o “starting lineup” de um dos times: Eddie Cicotte (P); Ray Schalk (C); “Chick” Gandil (1B); Fred McMullin (2B); “Swede” Risberg (SS); Buck Weaver (3B); “Happy” Felsch (CF); Shano Collins (RF); e “Shoeless” Joe Jackson (LF). O manager era Kid Gleason.
Nenhum dos nomes lhe soou familiar, exceto por um tal de “Shoeless” Joe Jackson. Demorou um átimo até entender que aquele era o Chicago White Sox de 1919; lembrou de o “Campo dos Sonhos”. Definitivamente aquilo era um sonho. Um dos mais loucos e prazerosos que já havia experimentado.
Perguntou a si próprio, então, se ele veria reeditada a malfadada World Series que rendeu o banimento de oito jogadores de Chicago. Bem que ele havia notado que apenas nos uniformes de Ray Schalk, Shano Collins e do manager Kid Gleason não havia a inserção da letra “B”: banidos! Também percebeu que dos oito apenas sete estavam em campo. Faltava o arremessador “Lefty” Williams. Uma olhada mais atenta para a direção do dugout e lá estava ele. Williams usando seu uniforme com o indefectível “B”.
Quando pensava que o Cincinnati Reds entraria em campo para reeditar aquela série mundial, eis que um senhor usando azul e branco se encaminhava para o banco de reservas dos donos da casa. Ficou feliz em perceber que as cores voltaram. Muito embora os White Sox seguissem em um completo preto e branco. Mas aquele senhor, aquela calva, aquela barriguinha… Tommy Lasorda!
Começou a juntar todas aquelas estranhas peças. Mas parecia que nenhuma delas se encaixava. No montinho ele identificara um jovem loiro, canhoto, usando a camisa #16 dos Yankees: Whitey Ford se aquecia arremessando bolinhas para um #8, também com a camisa dos Yankees. Era o fantástico Yogi Berra.
Distraído que estava com aquele êxtase de ver dois dos históricos jogadores da dinastia dos Bronx Bombers não havia se dado conta de que todas as outras posições do campo estavam preenchidas. Todos em cores, exceto os jogadores de Chicago, que já estavam sentados no dugout. Todos em preto e branco.
Na 1B do “em cores” estava Dick Allen com a #15 dos Phillies; na 2B Joe Morgan usando sua #8 dos Reds; Judy Johnson veio das Negro Leagues para fazer a 3B do time; Willie Wells, do St. Louis Stars, histórica franquia das Ligas Negras, era o shortstop. Lou Brock, usando a #20 dos Cardinals, era o left fielder.
Seu coração quase parou ao identificar o camisa #44 no right field. Era Hank Aaron e todo o peso de sua luta por igualdade racial e seus 755 home runs. Aquele homem era uma potência! Ty Cobb, com a #6 dos Tigers, completava aquele outfield literalmente dos sonhos.
Sim! Tudo se encaixava perfeitamente agora. O time dos sonhos, liderado por Tommy Lasorda, todos os grandes jogadores, que assim como seu manager, haviam recentemente deixado a vida para serem eternos fariam o jogo para vindicar a honra daquele talentoso time do Chicago White Sox.
De novo olhando ao redor seguia solitário junto àquele espaço de 23.000 pessoas. Suas únicas companhias eram o prazer, a emoção e a felicidade de poder presenciar a história, nem que fosse em um sonho estranho.
Ford faria o primeiro arremesso contra “Shoeless” Joe. Antes, todavia, no dugout do time “em cores” podia-se ver Don Sutton com sua #20 dos Dodgers. Ao seu lado Tom Seaver empertigado com sua #41 dos Mets. Bob Gibson com sua imponente #45 dos Cards conversava com Lasorda para saber se já podia começar o aquecimento. Phil Niekro, com a #35 dos Braves, e Don Larsen, com a #18 dos Yankees, completavam aquele time dos seus sonhos.
Whitey Ford começou sua participação com uma entrada imaculada. Nove arremessos, três strikeouts. Uma única bola rápida, muitos sliders, curves e changeups que dançavam como uma passista. Seu braço esquerdo era quase a perfeição. Naquela entrada ele havia sido perfeito.
Eddie Cicotte vem para o montinho para CWS. Seus adversários seriam Hank Aaron, Ty Cobb e Judy Johnson. Nada mal! Hank começa com uma dupla e logo é impulsionado com uma simples de Cobb para o campo direito. Collins tentou queimar Aaron no home plate e deu condições pra que Ty chegasse à segunda base.
Cicotte já suava a cântaros. Mas ele eliminou Johnson, Wells e Berra. Ainda que Cobb tenha chegado à 3B depois de um sacfly de Judy Johnson. O esforço do pitcher de Chicago deu ânimo e foi o combustível para a reação dos visitantes.
Logo na segunda entrada “Chick” Gandil pegou Tom Seaver que deixou uma bola rápida pendurada. Home run e jogo empatado. Lasorda tirou o boné e parecia irritado com seu arremessador. Mandou chamar Don Sutton que conseguiu dar conta de McMullin, Schalk e Weaver.
Eddie continuava no montinho para White Sox e aquela sequência de eliminações na primeira entrada trouxe a confiança que parecia faltar no começo do jogo. Apesar do walk cedido para Dick Allen tudo se resolveu com uma bela doubleplay muito bem executada por Risberg, McMullin e Gandil.
Sutton seguiu arremessando na terceira entrada para os “em cores”. Shano Collins e Eddie Cicotte foram facilmente eliminados. O jogo era disputado sob as regras da National League, assim, os arremessadores também rebatiam. De volta ao topo da ordem do “preto e branco”, “Shoeless” Joe resolveu apagar a má impressão deixada no primeiro inning e mostrou do que era capaz ao rebater um home run para o campo central. Virada do Chicago White Sox. Mas Lasorda ainda manteve Sutton que conseguiu eliminar Risberg num pop out.
Sem querer fazer grandes mudanças Tommy deixou Don Sutton rebater na posição nove. E qual não foi a surpresa quando Cicotte andou o pitcher histórico dos Dodgers. Hank Aaron não foi tão bem sucedido como antes e foi eliminado num flyout que ficou na luva de Joe Jackson. Cobb e Johnson também passaram em branco.
“Peanuts, peanuts”! “Soda, popcorn and hot dogs”! Ele olhou para o lado e pela escada das arquibancadas descia um jovem de não mais que 14 anos vendendo guloseimas. Mão no bolso e… nada… nem uma moeda. O mancebo percebeu que seu cliente estava desapercebido e lhe entregou um farto copo de refrigerante, um cachorro-quente e um saquinho de amendoins: “For a friend”, disse o garoto piscando o olho esquerdo.
Satisfeitas a sede e a fome ele resolveu conhecer mais do Ebbets. Detalhes da construção, memorabilia dos Dodgers, histórias da World Series de 1916 entre Boston Red Sox e Brooklyn Robins vencida pelo time de Boston. O tempo correu sem que sentisse. Quando voltou ao seu lugar o jogo já estava na sétima entrada. Ele nem pôde ver a fabricação da corrida do time da casa que empatou a partida. Allen, Morgan e Brock fizeram o small ball. Dick Allen com uma rebatida simples e um roubo de base chegou até a 3B depois de um sacfly de Morgan. Brock rebateu a simples que impulsionou Allen ao home plate. À essa altura Don Larsen e Phil Niekro, que cairia numa doubleplay nessa entrada, já haviam passado pelo montinho do time “em cores”.
A oitava começou com Bob Gibson arremessando para o time de Lasorda. O “bottom” do lineup do White Sox não foi capaz de ameaçar a sequência de impressionante de bolas rápidas de 4 costuras que Gibson intrepidamente arremessou. Cicotte deu lugar a “Lefty” Williams que agora teria de “comer” o restante de entradas que ainda fossem acontecer.
E Williams se saiu muito bem. Aaron, Cobb e Johnson pareciam novatos diante da sua temida spitball. Bem, o jogo guardaria uma nona entrada de tirar o fôlego. Gibson enfrentaria “Shoeless”, Risberg e Felsch. “Lefty” Williams teria pela frente Willie Wells, Yogi Berra e Dick Allen. Tanto Gibson quanto Williams haviam feito poucos arremessos. Com braços razoavelmente descansados entradas extras não seriam um problema.
Seu mundo, o mundo, parou para ver aquele nono inning. Sua primeira experiência em um ballpark era puro espetáculo. Pouco importa que aquele fosse um sonho. Quem mais viveria aquilo? De repente as arquibancadas, outrora vazias, foram se enchendo. Ao seu lado Jackie Robinson e Satchel Paige. Muhammad Ali acenou de longe. Mamie Johnson, Toni Stone e Connie Morgan conversavam alegremente. Logo atrás do home plate, na primeira fileira de assentos, ele viu Kobe Bryant, Casey Stengel, Roy Campanella e o ex-presidente Franklin Delano Roosevelt discutindo acaloradamente sobre alguma estratégia de jogo.
Num instante os 23.000 lugares do Ebbets Field estavam ocupados. A atmosfera parecia ligada a um gerador elétrico tamanha a tensão que aquele momento transparecia. No uniforme dos jogadores do Chicago White Sox já não se via mais o famigerado “B”. Tampouco suas imagens eram em preto e branco. Tudo era colorido. Tudo era essencialmente vivo. De alguma forma a honra daqueles homens havia sido restabelecida. Agora era só o jogo! Só arremessos, rebatidas, corridas e eliminações.
Bob Gibson, após uma rápida conversa com Yogi Berra no montinho, se preparava para o arremesso: braços levantados e a soltura da bola na velocidade de um raio e… triiiiiim… triiiiiim… triiiiiim. O despertador tocou no exato momento do primeiro arremesso da entrada dos sonhos. Num ato de desespero tentou adormecer de novo. Mas a excitação do que até alguns minutos havia experimentado, mais a frustração de não poder viver aqueles instantes impediam qualquer cochilo.
Sentado na beirada da cama ele tentava colocar o pensamento em ordem. Mais calmo, entendia que aquela era uma partida que não deveria terminar. Nela não haveria derrotados. “Shoeless” Joe Jackson e seus rapazes haviam sido recolocados no Olimpo do Baseball. Era isso! Seu sonho foi uma reconquista! Além disso, foi a oportunidade de olhar para aquele céu de estrelas que era o campo do Ebbets Field. A vida seguiria!
Série de hall of famers
Nas próximas 48 semanas publicaremos histórias de muitos hall of famers. Serão 5 times escalados da posição 1 até a 9 e 3 desses times terão um manager relacionado a eles. Então se liga nessa programação e não perca uma.
Time 1
- P – Whitey Ford (09/02)
- C – Yogi Berra (16/02)
- 1B – Lou Gehrig (23/02)
- 2B – Joe Morgan (02/03)
- 3B – Chipper Jones (09/03)
- SS – Ernie Banks (16/03)
- RF – Hank Aaron (23/03)
- CF – Ty Cobb (30/03)
- LF – Monte Irving (06/04)
Time 2
- P – Bob Gibson (20/04)
- C – Roy Campanela (27/04)
- 1B – Johnny Mize (04/05)
- 2B – Ryne Sandberg (11/05)
- 3B – Brooks Robinson (18/05)
- SS – Luis Aparicio (25/05)
- RF – Roberto Clemente (1º/06)
- CF – Joe DiMaggio (08/06)
- LF – Stan Musial (15/06)
- M – Leo Durocher (13/04)
Time 3
- P – Jim Palmer (22/06)
- C – Iván Rodríguez (29/06)
- 1B – Mule Suttles (06/07)
- 2B – Bill Mazeroski (13/07)
- 3B – Jud Wilson (20/07)
- SS – Derek Jeter (27/07)
- RF – Al Kaline (03/08)
- CF – Mickey Mantle (10/08)
- LF – Al Simmons (17/08)
- M – Tommy Lasorda (24/08)
Time 4
- P – Tom Seaver (31/08)
- C – Ray Schalk (07/09)
- 1B – Jim Thome (14/09)
- 2B – Frank Grant (21/09)
- 3B – Frank Baker (28/09)
- SS – Pee Wee Reese (05/10)
- RF – Frank Robinson (12/10)
- CF – Willie Mays (19/10)
- LF – Ted Williams (26/10)
- M – Casey Stengel (02/11)
Time 5
- P – Cy Young (09/11)
- C – Johnny Bench (16/11)
- 1B – Tony Pérez (23/11)
- 2B – Craig Biggio (30/11)
- 3B – Paul Molitor (07/11)
- SS – Ozzie Smith (14/12)
- RF – Babe Ruth (04/01/2022)
- CF – Duke Snider (28/12)
- LF – Carl Yastrzemski (21/12)
Este post tem 2 comentários
A paixão se moveu por esse texto e magicamente produziu em meus pensamentos o estranho desejo de ter vivido esse delírio…
Camarada, eu queria ter sonhado esse sonho também!