O esporte, em todas as suas modalidades, rompeu sua gênese como simples ação de recreação e se transformou em uma fábrica que produz atletas e torcedores como commodities. Com o baseball não é diferente. O baseball é uma indústria. Com lucros exorbitantes e a exploração de seus trabalhadores (jogadores) e consumidores (torcedores), o baseball experimenta o antagonismo característico de todo negócio: a relação patrão x empregado; mercado x consumidor.
Baseball como esporte
Aqui é importante fazer a distinção do baseball como indústria e como jogo. Baseball, como jogo, é praticado em todo os Estados Unidos e vem crescendo ao redor do mundo. O jogo envolve trabalho de equipe, paciência e estratégia. Os praticantes do esporte usam seus instintos, talentos e capacidade física para suportar partidas que ultrapassam 3h de duração. O esporte desempenha papel importante na sociedade estadunidense e também se tornou incrivelmente popular no Japão e Coréia do Sul, além, claro, de ser febre em vários países latino-americanos (Dominicana, Cuba, México, Venezuela etc.).
Agora como indústria
Entretanto, como indústria retira-se completamente a parte “esporte” do baseball e ele se torna um produtor de commodities. Nesse contexto o nome “baseball” serve apenas como instrumento mnemônico de gatilho para algo que faz parte da formação do indivíduo do ponto de vista identitário. Em 2005 o National Baseball Hall of Fame and Museum lançou o livro “Baseball as America” onde se discute como a paisagem social dos EUA, sua língua, literatura, entretenimento, comida e o verão são definidos por um esporte que se mistura com os valores de nação. É nesse momento em que a indústria se apropria do imaginário que acontece a transformação estética. Cabe, antes, um pequeno desvio de rota para explicarmos o sentido que a palavra “estética” ganha nesse texto. Estética, para nós, está vinculada ao que liga o indivíduo ao grupo, à comunidade. É, nesse caso, mais sobre padrões de consumo do que padrões de beleza.
A apropriação do jogo
De volta à apropriação da identidade pelo capital, cria-se, assim, a estética de consumo que artificializa o que antes caracterizava o torcedor e que o transforma em commodity. É dessa forma que a indústria se internaliza como o que Adorno e Horkheimer chamam de produção cultural de massa. Nesse instante pouco importa se quem usa o boné com as iniciais “LA” ou “NY” é um aficionado pelos Dodgers ou pelos Yankees. Ou se o frequentador do estádio é alguém apaixonado pelo esporte ou apenas um turista que mal sabe o que seja taco e bola. Pasteuriza-se e artificializa-se o que antes identificava o indivíduo como torcedor e que agora passa a ser esteticamente o padrão de consumo que se espera de quem pode comprar na indústria baseball.
MiLB: um exército de reserva de mão de obra
Para que o baseball mantenha seus investimentos mais valiosos – os jogadores – na fila, a indústria confia no que Marx chama de “exército de reserva industrial”, uma massa de trabalhadores em potencial que estão desempregados ou semiempregados na indústria e cuja presença o mercado de trabalho ajuda a suprimir a autonomia e a assertividade daqueles que estão empregados. Se, como Marx afirma em “O Capital”, o lucro no capitalismo depende da exploração do trabalhador, então o capitalismo deve ter um controle sobre o trabalhador, de modo que ele não pressione por melhores salário e participação na riqueza que ele cria. O exército de reserva do trabalho restringe as pretensões dos plenamente empregados e limita o campo de ação da busca do trabalhador por maiores salários aos limites absolutamente convenientes ao esforço do capital para explorar e dominar os trabalhadores. O exército de reserva industrial é constituído pelo farm system das Minor Leagues, através do qual os jogadores trabalham para obter acesso aos meios de produção, à equipe da Major League Baseball, ao estádio e a todas as armadilhas dos mesmos. Cria-se concorrência na parte mais baixa da pirâmide de forma a minimizar custos e maximizar os lucros na MLB. Se no fim um cara sair dali e virar estrela o time já vai ter conseguido dinheiro suficiente para pagá-lo. Assim é que um jogador passa oito, nove anos em um time de Minor League. Apesar do baixo salário ele vai ficando nas divisões inferiores na esperança de um dia se tornar um big leaguer. A presença de alguns veteranos nas Minor Leagues serve como um lembrete para os jogadores jovens que o seu tempo pode ser fugaz, então a melhor coisa a fazer é manter a cabeça baixa e não tentar chacoalhar a estrutura. Se o jogador perdeu a chance em seu auge e acabou não subindo ao olimpo da MLB é melhor não confrontar o chefe.
Nem tudo que reluz é ouro no baseball
A despeito de alguns supercontratos como os assinados na temporada de 2019 da MLB por Mike Trout (us$ 426.5 milhões/12 anos), Bryce Harper (us$ 330 milhões/13 anos) e Manny Machado (us$ 300 milhões/10 anos) a realidade salarial de jogadores tanto da MLB e principalmente da MiLB é bem diferente. em 2017 o salário médio de um jogador de Triple-A era de us$ 10 mil/mês chegando a us$ 1.100,00/mês em ligas de curta temporada ou rookie. o salário mínimo federal é de us $ 7.25/h, equivalente a us$ 15.080 por ano para uma semana de trabalho de 40 horas. o Pittsburgh Post-gazette publicou, em 2018, um artigo onde discute mais a fundo a questão salarial na MiLB. você pode acessá-lo clicando aqui.
Jogadores de baseball: uni-vos
A análise de Marx do capitalismo industrial aplicada ao baseball de hoje possibilita a compreensão da dureza a que são submetidos os trabalhadores da indústria do jogo sob a aparência de passatempo. Além disso, nos mostra a realidade de um negócio dedicado ao lucro e à exploração, não diferente de qualquer outro setor do capitalismo (mercado). O capitalismo é, em si, o sistema de acumulação e desigualdade. Ele sobrevive nisso e disso. O esporte, o baseball nesse caso, não está fora do circuito de apropriação.
Livros citados
Lukács, György. Para uma ontologia do ser social, vol. I. Ed. Boitempo.
Marx, Karl. O Capital, Livro 1. Ed. Boitempo.
Adorno, Theodor W.; Horkheimer, Max. Dialética do eclarecimento. Zahar Editora.