Começo a coluna com os olhos vermelhos e cheios de água. Quem me dera fosse apenas essa gripe de começo de outono, que a cidade de São Paulo me deu de presente. Um chá quente resolveria e eu iria direto para a cama. Até porque a dona onça já está gritando “já pra cama! amanhã terei que implorar pra acordar! responsabilidade”. Como o Chorão cantava, dona onça é tipo a vida, “cobra sério e realmente não dá pra fugir”.
Meus olhos vermelhos, totalmente embaçados, são por ele, Dwyane Wade. Ele mesmo, que ficará na história como o último ala armador que não tinha um bom chute da linha dos três pontos. Eu já tinha dado a letra no texto de dirk nowitzki, o choro virou rotina nessa temporada da NBA. Dois ídolos, cada um a sua maneira, deixaram marcas no meu amor pelo basquete.
“te odio”
Enquanto o alemão eu sempre apreciei, o “flash” eu odiei. Pois é, o melhor ala armador da minha geração, foi odiado por mim desde sempre. Desde seus tocos (de marca registrada) até o seu, tão venenoso, eurostep.
Mesmo hoje na despedida desse cara, que eu odiei por tanto tempo, não conseguia apenas me concentrar no jogo.
Só passava na minha cabeça, todas as vezes que você eliminou “o meu Pacers”. Seja com um lindo fadeaway ou então com a sua capacidade de montar uma bela panela com papai Lebrão e o vovô Bosh. Não quero te comparar com Kobe ou com ninguém, as comparações são numéricas e isso mata a beleza do basquete.
Entretanto, o seu instinto assassino, sua liderança contagiante e toda a sua qualidade técnica, te deixam no patamar de qualquer um dos grandes. Hoje em dia somos tão tarados por bater recordes, conseguir números individuais e empilhar títulos, que esquecemos da beleza além disso tudo. Mesmo assim, você tratou de empilhar seus três títulos e nos três, tratou de eliminar o meu time.
E não é só por isso que te odeio. Eu também te odeio, pois não me deu a oportunidade de te ver ao vivo. Essa sede de vitória, essa gana e a sua panela, mataram um “jogo 5”, por duas vezes. Isso mesmo, DUAS VEZES, por DUAS VEZES você me excluiu do seu público. Você tem noção do que é isso Mr Dwyane Wade? Não vou me fazer de coitado, pois não sou, longe disso, mas onde já se viu fazer isso com um garoto de Jundiaí? É, eu te odeio. Odeio mesmo, pois não consigo imaginar o basquete que vi e vivi, sem você.
“poema”
Nesse novo mundo, que cada vez menos nos dá ídolos, você foi uma inspiração para uma geração, para mim oras! Quando você chegou a NBA, o meu mundo do basquete era o Lakers. Shaq, Kobe e Fisher, assistindo com uma TV chuviscada pela madrugada e só pelo fato de achar aqueles caras monstros demais. Eram jogos deles que eu via, o resto era resto. Chega até a ser engraçado a minha paixão pelos Pacers.
Enfim, meu basquete era o Lakers e a minha completa ruindade na quadra do colégio. O interesse foi crescendo ao passar dos anos e felizmente eu adotei um time, que você e sua trupe gostavam de bater. Depois que o papai Lebron foi embora, você cansou de bater em nós, mas, infelizmente, ele não. Vi muitos jogos e te xingava muito. Como esquecer os seus 41 pontos em 2012, lá no Bakers life fieldhouse?
Ou então, pior ainda, quando no seu primeiro ano de liga, no alto dos seus 22 anos, jogou como gente grande contra Reggie Miller, Jermaine O’Neal e Metta World Peace. Já em 2006, você esteve ao lado do meu (amado) Shaquille O’Neal e mesmo assim foi protagonista nas finais. Como era lindo ver o seu jogo, como era lindo saber de sua história. O garoto de Chicago, que no basquete viu como afastar todos os seus demônios para chegar longe.
Amante do basquete e protagonista no time do colégio. Sua dedicação não chamou a atenção de grandes universidades, mas isso não era problema, às vezes a paixão não chama atenção, só os números. Entretanto, em Milwaukee, na Marquette University, você foi a diferença, finalmente chamou a atenção e no draft de 2003, foi a quinta escolha. Das zonas frias dos estados unidos você estava de mudança para o estado mais ensolarado do país.
“a bailar”
Da “wind city” para o “sunshine state”, a adaptação foi fácil. Você fez de Miami a sua casa e de cara acabou sendo tudo aquilo que a franquia precisava. Mais do que isso, você criou uma relação, uma identidade, que atualmente não se vê sempre. Por fim, acabou sendo para a cidade de Miami, algo maior que o basquete. Como disse sua mãe, em um dos diversos vídeos de homenagem, “você é maior que o basquete”.
Talvez não tenha sido tão vocal, ou tenha arrumado “discussões”, como o seu brother Lebron, mas isso não importa. Você esteve presente para todos que precisavam, você se entregou de alma e corpo por Miami. Aliás, bota corpo nisso, quantas lesões mesmo Wade? Muitas, mas sempre fazendo um tratamento aqui e ali para conseguir entrar em quadra. Quantas dores não sentia em seu joelho nesse último jogo? A doação sempre foi máxima.
Na temporada 2016-2017, você saiu de Miami e foi jogar no seu time de criança. Voltou a Chicago, colocou o time nos playoffs, mas infelizmente caiu diante de um Celtics determinado. O corpo continuava pedindo uma parada, mas você ainda encontrou gasolina no tanque, pra na temporada seguinte se juntar a papai Lebron novamente. Aqui você foi mal, ficou apagado, jogou apenas 46 jogos.
“caminito”
Então em setembro do ano passado, avisou que voltaria a Miami. Você rejeitou uma proposta milionária da China, para fazer sua última dança (#onelastdance) em solo americano. E que última dança foi essa? Como um tango, complexo, elaborado, bonito e muito triste.
Como dito por um antigo compositor/poeta, “o tango é um pensamento triste que se pode dançar”. Assim foi a sua última temporada, com toda a sua elegância, em sua despedida, você dançou com as nossas lágrimas. Saiu muito melhor que qualquer roteiro de filme. Aos 37 anos, você jogou em 72 jogos, pouco mais que nos últimos dois anos e proporcionou cenas lindas.
Que tal o buzzer beater no final de fevereiro para vencer os Warriors? Ou então, os 30 pontos no último jogo em Miami, o que acha? Ou melhor ainda, conseguir um triplo-duplo no último jogo de sua carreira. O quinto triplo-duplo de sua carreira, foi em seu último jogo. Fora do jogo, foram milhares de trocas de camisa, mas todas elas repletas de emoção. Desde a surpresa para Kevin Huerter, que tem você como inspiração e usa a #3 por sua causa, até o último jogo contra o parça Lebron.
Foram momentos maravilhosos, cheios de emoção para qualquer um que seja fã do basquete ou então para quem gosta de apreciar vitórias de um ser humano gigante. Entretanto, infelizmente, chegou ao fim e eu sentirei saudades até da parte onde me fez te odiar. Depois dos professores de português, redação e geografia, talvez você tenha sido o meu grande caso de amor e ódio.
Obrigado pelas memórias D-Wade. Obrigado por ter me ensinado que podemos ser muito mais que mero profissionais. Obrigado por ter me mostrado que ainda sim, podem existir grandes referências. Obrigado pelas lições de vida e obrigado por não abandonar o amor pelo basquete. Obrigado cara.