carta aberta ao meu quarterback, andrew luck

Tempo de leitura: 11 minutos

Andrew Luck,

Não era a carta que eu pretendia escrever pra você. Desde a derrota para os Chiefs no começo desse ano, eu já vinha costurando várias ideias. Comemorar o seu MVP, ou então comemorar uma temporada de recordes, ou até mesmo comemorar o primeiro super bowl da sua carreira.

Meus planos com você, eram enormes, os sonhos mais malucos de um torcedor fanático pela “ferradura”. Daqueles que sangra, chora e sorri em azul. Numa mesa de bar, em meados de maio, eu afirmava que o meu time, era um dos poucos que teriam três quarterbacks hall da fama.

Um sonhador, claro, demais? Talvez não, afinal, é isso que fanáticos fazem. Clubista? Talvez. Você pode chamar do que quiser, pra mim é simplesmente amor. Também não era o final de sábado que eu pretendia, nessa terceira semana de pré temporada.

Um sábado que começou vestindo uma (bela) camiseta dos Colts e que agora está difícil de terminar, após o “Andrew Luck announces his retirement from the NFL”.

a mensagem

grande henrique do tailgate zone me mandando uma ótima notícia
uma ótima mensagem para um sábado a noite

Já pro final do jogo contra os Bears, recebi uma mensagem no Whatsapp, com o tweet do Adam Schefter… e o prenúncio da tragédia. Era impossível de acreditar. Como que aquilo estava acontecendo? Você tinha acabado de terminar uma temporada primorosa. Foram 39 touchdowns, mais de 4500 jardas e as duas melhores marcas na carreira em passes completos e qb rating.

Bicho, eu fiquei em estado de choque. Os grupos de fantasy, NFL e os amigos torcedores, mandavam mil mensagens. Era muito difícil de pensar qualquer coisa. A dona onça dormia ao lado e eu nem sabia se acordava pra contar, ou se seguia no meu (naquele momento) gélido mundinho. Eu fiquei em choque, uma triste surpresa.

Cheguei a receber até algumas mensagens bem atravessadas e nem consegui revidar, como faço de costume. Eu defendo você e esse time com unhas e dentes, da mesma forma como sempre defendi a lusinha. Algo muito difícil de explicar e para alguns, até difícil de entender. Faltam muitas palavras, mas não consigo imaginar hora melhor do que essa para escrever para você. 

eu, ele, você e o futebol americano

os dois últimos qbs dos colts cumprimentam-se após jogo
peyton e luck jogaram três vezes, luck levou duas vitórias pra casa
fonte: scripps media, inc.

A minha paixão por esse esporte, começou com o seu antecessor, o peytão. O filho do meio, da família que é maior que essa liguinha americana, que você deixou de jogar hoje. O manning de número 18, foi quem encheu meus olhos. Foi quem me fez ver o quanto esse esporte é lindo. Claro, ele também foi o primeiro a me dar um título nos esportes americanos (haha).

Ele me fez chorar e me fez sorrir, ele fez eu ter ódio pelo Brady e por todo o estado de Massachusetts (haha… brincadeirinha… ou não). Claro, ele também ajudou na minha tese de que existem coisas maiores. Coisas que transcendem o esporte. Maldito Tracy Porter, mas muito amor por New Orleans.

Então o 18 se machucou (muito feio, foi no pescoço e foi tão feio quanto o seu ombro) e foi embora, não quisemos continuar com ele. Meu coração ficou dividido, eu não conseguia aceitar aquilo. Foi um ano muito difícil. Só pra você ter ideia de como foi difícil, foi um ano de Kerry Collins, Curtis Painter e (pasme) Dan Orlovsky!

Foi a temporada do “Suck for Luck”, foi a temporada da corrida por você, meu qbzão. Rapaz alto, forte, barbudão, esquisitão, simplão pra caramba e muito inteligente. Um líder nato, o melhor prospecto de quarterback desde muito tempo. Um baita de um macho alfa, o Jake Arrieta da NFL (haha… foi boa vai).

uma nova era em indianapolis

Começava em Indy, uma nova era. O novo Messias estava chegando e todos já viam mais canecos vindo para Indianapolis. Em 2012, de abril até setembro, eu sonhava com você levantando o vince lombardi. Eu ia dormir imaginando novas batalhas em foxborough e a gisele bündchen sem sorrisinhos lá nas tribunas. Eu queria o caos, eu queria ver você doutrinando.

E foi bem isso, você reinou. Comandou um time 2-14 para um time 11-5, com técnico interino! Levou o time aos playoffs e perdeu para aqueles que acabaram levantando o caneco. No ano seguinte, Pagano já estava de volta a sideline e você repetiu o feito.

Outra temporada 11-5 e uma vitória pra lá de emocionante no wild card. Um dos jogos mais malucos e mais legais que eu já vi. A segunda maior virada na história dos playoffs da nfl. Aliás, por uma linda ironia do destino, você só perdeu para quem será o seu último técnico da NFL.

(Lógico que você sabe, mas a carta é aberta e pode ter gente que não sabe. A maior virada em pós temporada é do Frank Reich)

Que vitória foi aquela! Você não deve ter ideia do quanto foi importante para mim. Logo em um dos momentos mais deprimentes do esporte. Bem naquele (maldito) começo de 2014, quando aqueles que não ligam para o jogo, aqueles velhos engravatados, começaram o que seria a destruição da lusinha.

temos um franchise quarterback

o luck fumble, como ficou conhecido o lance de impacto no wildcard de 2014 entre colts e chiefs
luck recuperando um fumble e anotando touchdown contra os chiefs em 2014
fonte: brian spurlock (usa today)

Bem nessa hora você apareceu para dar aula do que é paixão pelo esporte, do que é garra! Até hoje eu não consigo lembrar como e quando fui dormir, também não tenho a menor ideia de como fui trabalhar no dia seguinte. Embora tenhamos tomado um knockout dos Patriots e do Tommy Boy na semana seguinte, você salvou o meu ano. Obrigado!

Seguindo, 2014 você mais uma vez doutrinou. Ficou muito perto da marca de 5000 jardas aéreas, lançou 40 touchdowns e nos levou para a final de conferência. Ah, claro, tenho que mencionar, você foi logo vencer o divisional round da minha ex-namorada. Você levou nosso time até Mile High e ganhou de Peyton Manning e a maravilhosa defesa dos Broncos.

Mais um vez Tommy Boy, lá no covil das cobras, nos derrotou. Com bola murcha ou não, tomamos vareio, foi triste. No entanto, tínhamos uma baita esperança.

Só que aí, as coisas começaram a ir pro espaço. Os problemas foram escancarados e mais uma vez, a péssima gestão de Indianapolis aliada a sua garra e amor ao jogo, cobraram caro. Logo no ano em que eu começava a imaginar o caminho até o super bowl, bem no meio estavam chuck pagano, ryan grigson, von miller e um rim dilacerado.

do céu para as lesões

Rapaz, como aquela lesão pesou. Ao ler a notícia, o meu rim doeu e meu coração apertou demais. No ano seguinte, dizem que você jogou todo estrupiado. Machucou abdomen, teve umas costelas meia bomba e começou a sentir fortes dores no ombro. Mesmo com dores e com tudo dizendo para você ficar um tempo fora, você jogou. Não te operaram a tempo, você sofreu e apanhou demais, foram 41 sacks em 2016.

Aliás, você hoje encerrou sua carreira, com mais sacks que touchdowns. Meu DEUS, como isso é triste.

Foi uma offseason maluca, não dê risada, mas a dona onça (muito católica) chegou a rezar muito por você. Eu mandava vibrações antes de dormir e pedi para a minha (maravilhosa) avó rezar por você em todas as missas.

Tudo parecia caminhar bem e nossas rezas estavam adiantando. As notícias foram as melhores possíveis, você voltaria para a quarta ou quinta semana. Aliado a isso, dona onça tinha voltado a trabalhar, depois de um longo e tenebroso inverno.

Sabe o que eu fiz meu qbzão? Sabe o que eu fiz? Bolei uma road trip pelos EUA, comprei um ingresso para ver Colts e Steelers lá no Lucas Oil. “Dona onça, prepara as malas que vamos para Indy em novembro, até lá o Luck já tá em campo”.

comeback

Bem, você e todo o staff dos Colts me pregaram uma peça haha… Não teve retorno e eu fui agraciado com um maravilhoso Big Ben vs Jacoby Brissett. Não tinha problema, eu estava lá pela HORSESHOE, aqui “nóis” sangra azul pombas. Mas não posso negar, foi triste. O peyton eu vi, você eu não vi.

Foi difícil, tanto como torcedor, como fã de um cara ímpar. Sempre temos que olhar pela saúde de pessoas que admiramos, por você não foi diferente. Tudo deu certo, foi difícil mais deu certo e então você voltou. Rolaram boatos de que você tinha desanimado, que não estava contente. Entretanto, eu custava a acreditar. Afinal, suas entrevistas sempre eram positivas.

Então, 585 dias depois, lá estava você sorrindo e entrando em campo com a camisa mais linda da NFL. Que temporada linda foi a de 2018, ein? Você liderou novamente com maestria, mostrou que não éramos uma equipe qualquer.

Mostrou toda a sua resiliência, sua garra e sua inteligência. Um monstro! Perdemos para os Chiefs no divisional round, mas perdemos de forma honrosa e com você jogando muito bem. Só que novamente no encontramos na mesma situação de 2017. Dores na panturrilha, depois dores no tornozelo e uma suposta fratura.

um novo revés

Só notícias ruins e pouco se ouvia de você. O silêncio foi assustador. Eu defendi com unhas e dentes o seu retorno, falei alto com quem te chamou de vidro. Apontei o dedo e xinguei muito, fui um estúpido. Não tem problema, eu faria novamente. Você não é de vidro, você é humano… como todos nós.

Apanhou feito um louco a carreira toda, então uma hora o corpo cobra e precisamos refletir. Foi o que você fez, refletiu e viu o que era melhor para você. Como uma criança ansiosa, eu perdi a concentração no jogo de hoje. Só queria ver a sua coletiva, ouvir o que tinha para dizer.

Então, quando a coletiva começou, novamente estava eu, assim como uma criança. Dessa vez, como uma criança que sente a dor de uma queda de bicicleta. Chorei. Não foi pouco.

Não demorou muito, bastou um minuto de coletiva para os olhos já começarem a falhar e mostrar que homem chora sim. Você chorou também, disse o que precisava dizer. Começou da forma mais normal possível, como um amante do esporte começaria. “Essa não é uma decisão fácil, honestamente é decisão mais difícil da minha vida”. 

não era uma mentira do schefter

“eu não tenho conseguido viver a vida do jeito que eu queria. está me tirando o prazer de jogar esse jogo”
andrew luck na coletiva de imprensa ao anunciar sua aposentadoria.
fonte: michael conroy

Você explicou exatamente o que se especulava na última temporada. Que as dores estavam pesando muito e que o amor pelo jogo poderia sumir se continuasse assim. Falou sobre a bola de neve, o círculo que tinha se tornado vicioso: lesão – dor – recuperação.

Você disse que estava se sentindo preso nisso e que cansou. Nada está te fazendo bem e tirando o amor que você tem pelo jogo. Luck, de verdade, eu senti a sua dor. Enquanto falava, eu podia sentir tudo que passou nesses últimos anos. Nos 24 minutos e 58 segundos da coletiva eu revivi cada momento que passamos juntos.

Sim, nós passamos juntos cada momento, logicamente, não lado a lado, mas em pensamento. Também vi que no seu lugar eu já teria desistido há muito mais tempo. Lesão, cirurgias/tratamentos, dores e recuperação. Ainda disse para o jornalista mais engraçadinho, que essa decisão nada tem de ligação com seu casamento e com seu filho que está por vir.

Simplesmente disse que se cansou. Aliás, quem sou eu pra criticar? Uma simples testosterona desregulada já me faz querer “morrer”! Quem dirá tudo o que você tem passado. Você deixou claro que essa era a melhor decisão a ser feita e eu acredito… aceito também. 

agradecimentos e o adeus

Foram quatro longos anos de sofrimento e uma hora pesa, até mesmo para o mais talentoso e apaixonado atleta. Você assumiu que jogou com dores em 2016 e que isso já tinha feito você questionar se queria passar por isso novamente.

De forma nobre, ainda disse que não consegue colocar todo o seu coração e sua alma em campo novamente, devido ao que está passando. Disse que não seria justo com o que o clube está construindo. Muito menos com os seus companheiros de time.

Você agradeceu o futebol por momentos maravilhosos. Agradeceu seus companheiros, agradeceu a família Irsay e disse que ama nosso time, nossa cidade. Complementou que sua esposa sente o maior orgulho em dizer que é de Indianapolis, quando perguntam para vocês de onde são.

Bicho, você ainda confirmou uma coisa que eu imaginava no pouco tempo que fiquei em Indy. Disse que a cidade é o melhor lugar para construir uma família. Cara, você me deixou chorando litros nessa hora, mas logo depois, você fez eu desmoronar.

respeito

Quando iniciou seus agradecimentos aos companheiros de equipe, você começou pelo Vina e contou uma historinha. Por que você fez isso? Precisava contar que seu pai te levou para ver o Vinatieri jogando pelo Amsterdam Admirals?

Pra que falar que depois quando já estava mais velho ele te levou pra ver o Super Bowl em que o Vina ganhou o título para os Patriots? Ah tá, entendi, fez tudo isso para falar que a sua primeira vitória na NFL, também veio pelo mesmo pé. Que respeito!

Luck, eu te admiro. Eu te admiro muito e espero que não tenha se abalado com aqueles seres que te vaiaram ao final do jogo de hoje. Esses caras não representam nossa torcida. Esses caras não respeitam o jogo e não respeitam, ou simplesmente não entendem, o que você passou, o que você doou.

Pra mim o que ficará será a sua garra, o seu talento, a sua ambição e a sua entrega por esse time. Até a entrega por aquela cidade, da qual eu também sinto que pertenço (sim, to nem aí pro que falam, Indy tá no coração).

obrigado

Cara, obrigado pelas lembranças que deixou, pelos jogos ganhos e também pelos que não foram. Obrigado pelo seu voo (aka Super Man) para recuperar um fumble e anotar um touchdown. Nunca esquecerei esse lance. Nunca esquecerei aquele wildcard contra os chiefs. Obrigado pelas suas 16 viradas no quarto período.

Obrigado por sempre mostrar amor ao clube e dar aula de superação. Obrigado por ser meu quarterback esse sete anos pós Manning. Obrigado por tudo e seja feliz! Cuide da sua saúde, física e mental, curta a família que está montando, mas por favor, não abandone a “ferradura”.

Siga conosco, mesmo fora dos gramados, seja figura de impacto para os novos garotos do time. Ensine para eles o que aprendeu, mostre para eles o quanto você se entregou e cobre essa entrega deles também. Isso será muito importante.

Realmente já estou aqui em pedaços. Não era a carta que eu queria te escrever. Também não era o que eu tinha planejado com você. Nem Super Bowl, nem MVP, nem MVP do Super Bowl.

Claro, também não vai rolar o hall da fama, mas tudo bem, isso é só formalidade da liga. Aqui em casa, no cantinho do guerreiro, junto a Johnny Unitas, Peyton Manning, Michael Jordan, Reggie Miller e Kobe Bryant, você terá uma jaqueta dourada e um belo busto. 

Até algum dia…

muito obrigado número 12, muito obrigado andrew luck
adeus luck, muito obrigado.
fonte: getty images

Este post tem um comentário

  1. Bruno Vieira borges

    como torcedor dos colts, eu agradeço imensamente por esse registro. excelente texto, amigo. agora nos resta somente continuar acreditando no azul…

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