Antes mesmo de existir Brasil, eu já estava aqui. Muito antes de provar coisas novas, como ouvir cantorias amargas (ou doces), sentir o cheiro da felicidade ou provar o sabor salgado da derrota, eu já sabia quem eu era.
Sempre ao lado de minha água eu estava ali, pronto para receber quem fosse, ou o que fosse. Fui morada, fui abrigo, fui propriedade militar, fui julgado… fui e sou história. Correram por mim até perderem a força e eu ser abandonado. No entanto, como é bom dizer isso, eu tive quem sempre olhou por mim.
Que caminho foi esse que passei até chegar aqui! Cada um sabe a sua história, cada um conhece a sua jornada, não é mesmo? E os que não conhecem sua História estão condenados a repeti-la! Alguém já disse isso… Quantos por aí não passaram pelo que passei?
Eu mesmo tenho um primo de São Paulo, que passou pelo mesmo, mas hoje, infelizmente, não somos a mesma coisa. Eu não sei precisar em que momento ele se perdeu, ou então, em que momento o perderam. Fica difícil até bradar “Vamos à luta, ó campeões”.
Não por não serem campeões, pois sei que “Na tua glória, toda certeza”, que ainda és grande, meu primo. É difícil empurrar, pois enquanto eu aqui vivo glórias, por aí as coisas tem ido a leilão.
Essa desigualdade me incomoda. Como podemos chegar a pontos tão distantes, mesmo nós dois sendo a mesma coisa? Passamos pelos mesmos processos e viramos a mesma coisa, frequentamos as mesmas festas, conhecemos quase as mesmas pessoas; mas por que chegamos a situações tão diferentes?
Um jornalista uma vez me disse que eu tinha uma capacidade impressionante de reunir todo mundo. Ele, “o criador de multidões”, me dizia que eu era capaz de reunir todas as classes sociais para a apreciação de um espetáculo.
Que poder não? Diversão, entretenimento, lazer, festa do povo! Por que isso não é assim em todo lugar? Por que será ainda exclusividade para poucos?
Se conhecer novas culturas, novas pessoas abre um caminhão de novas possibilidades, não seria isso, de fato, desenvolvimento?
Eu nunca fui pra Disney, mas já conheci quem foi. Também já conheci quem não foi e até hoje, mesmo depois de seus 30, 40, 50 anos, ainda tem o sonho de ir. Ou então, de levar o filho, o neto. Soube que o dólar está beirando a casa dos cinco reais, fiquei espantado.
Uma declaração de que ele não está alto, mas de que está em novo patamar, realmente me deixou preocupado. Essa mudança aguça mais ainda as minhas indagações. Essa alta não vai me impactar também? Pior, ela não pode impactar aquele meu primo de São Paulo também?
Que Deus olhe por ele, pois não sei se ele tem o sonho de Disney, mas sabendo o quão dolarizada ainda é a nossa economia, talvez essa alta possa mudar até o valor do pãozinho que ele come. Complicado, sinto uma angústia gigante, algo que beira uma raiva e uma vontade de gritar.
Um obscurantismo, uma nuvem pesada, tão carregada quanto às das chuvas que atrapalharam minhas mudanças em 2013, paira no ar. Um cheiro de medidas que afastam de mim todos aqueles que me ensinaram a rir e a chorar. Exterminar o sonho da “geral” e abastecer o ego dos “camarotes”.
Eu me sinto tomado, eu me sinto infectado, igual ao rio que me deu nome. A vontade de gritar me vem muito forte, mas infelizmente não consigo. Não sei se minha voz perdeu força depois de 2014, ou era tudo um patriotismo falido (ou esquecido, não sei) mesmo. Talvez apenas um grande ato, de um grande acordo nacional… com o supremo… com tudo.
Fico pensativo, sigo pensativo. Apesar do que Mario Filho me disse, sobre eu ser agregador, não sei mais se posso ser agente transformador. No entanto, mesmo que muitos não entendam; ou até não gostem da ideia, eu ainda posso ser casa; e palco, para quem quiser a transformação.