Uma semana passou e ainda não consigo digerir o que aconteceu no Ninho do Urubu. Em meio a tantas tragédias que vem acontecendo em nosso país, por descaso e negligência, essa pareceu ter sido a gota d’água. Embora não tenha falado sobre isso no tailgate zone, algo vem me incomodando desde o começo do ano. Esse incômodo acabou virando uma grande revolta. Talvez você leia o que vem a seguir e fique de porre, mas mesmo assim, tente seguir, juro que a intenção não é “politizar”, mas preciso prosseguir. Até porque foi esse caso que acabou por gerar a reflexão que traz o título deste texto.
Bom, no apagar das luzes do governo Temer, metade da verba destinada para o Bolsa Atleta foi cortada. Em 28 de dezembro do ano passado, o então ministro do esporte Leandro Cruz, foi o autor da canetada. Pois é, uma bela marretada no esporte nacional. Talvez você não tenha a dimensão do que é o Bolsa Atleta, pois acompanhe apenas o futebol e não outras modalidades, não entenda isso como uma crítica, é apenas a realidade de nosso país. Sim, é a nossa realidade e esse corte só mostra mais ainda o quanto os nossos governantes estão “interessados” no esporte no geral.
O Bolsa Atleta
Enfim, a lista com os atletas beneficiados foi divulgada ainda no ano passado e contém 3.058 atletas. Dentre esses atletas, 2.097 são de modalidades olímpicas e 961 de paraolímpicas. Esse número é bem abaixo do ano de 2016, onde 7.223 atletas foram beneficiados e também metade da média do programa, que ficava em torno de 6.000 a 7.000 atletas por ano.
O corte passa a ser mais preocupante ainda quando analisamos quem perdeu o benefício. Essa enxadada do último dia de governo Temer afetou os atletas mais jovens, das categorias Estudantil e Base. Para quem não conhece o programa, as bolsas são divididas em 5 categorias: Estudantil (R$ 370,00), Base (R$ 370,00), Nacional (R$ 925,00), Internacional (R$ 1.850,00), Olímpica/Paraolímpica (R$ 3.100) e Pódio (R$ 5 mil a 15 mil).
A canetada sacrificou nossos futuros atletas, mas seguiu forte para os atletas da elite do esporte nacional. Enfim, é justamente aí que nada fez sentido na minha cabeça. Afinal, o garoto que está começando agora é aquele que precisa de mais incentivo e auxílio. Seja em material esportivo, seja para conseguir viajar para uma competição, ou até mesmo para conseguir sobreviver. Já o atleta de elite, geralmente possui um patrocinador (ou outras formas de financiamento) e muitas das vezes não depende de incentivos federais.
Na época, comecinho de janeiro desse ano, após sentar alguns minutos no sofá e digerir tudo que tinha acabado de ver, da história do corte até as histórias de cada futuro atleta desse país, um nó em minha garganta foi formado. Além disso, apenas uma coisa vinha em minha cabeça: “Brasil, para sempre seremos apenas o país do futebol”.
O esporte nos estados
Posso até parecer pessimista e talvez você até esteja pensando “Que cara chato, seja positivo! Torça por algo melhor!”, mas os fatos apresentados são muito doloridos. Até pelo motivo de nada adiantar torcida quando vemos que não tem investimento. O corte foi grande de um ano para o outro, mas antes mesmo desse corte, vieram outros. Nos dois anos de governo Temer, foram dois ministros do esporte que não tinham nada de ligação com o esporte, não tinham conhecimento algum.
Agora no governo Bolsonaro, o esporte é apenas uma pasta no ministério da cidadania, que é comandado por Osmar Terra. Inclusive, vale lembrar, no plano de governo de nosso atual presidente, a palavra “esporte” não aparece. Enfim, o novo ministro nomeou o general Marco Aurélio Vieira como o secretário especial do esporte e podemos dizer que o currículo do general no esporte não é muito longo.
O secretário especial, além de participar do revezamento da tocha olímpica, foi diretor-executivo de operações da Rio 2016. Ao menos as falas do general passam alguma esperança, principalmente quando diz que enxerga o esporte como algo de grande importância social. Entretanto, mesmo que a gente busque esperança, os governos estaduais vem com tudo para marretar nossas esperanças.
Das 27 unidades federativas brasileiras, 19 mantiveram a secretaria do esporte e mesmo assim, algumas possuem nomes pouco preparados. Em São Paulo, caso mais próximo a mim, João Dória indicou Aildo Rodrigues Ferreira, advogado e geógrafo… Calma que pode ficar mais bizarro. Aildo já trabalhou como chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Esportes, mas vale a ressalva, saiu do governo de forma estranha, onde não se sabe se foi demitido ou pediu demissão.
Tudo isso logo após uma carta anônima aparecer, indicando que ele estaria pedindo contribuições a correligionários para cargos de comissão no Governo Alckmin. No Rio de Janeiro, a indicação para a secretaria, foi totalmente política. Felipe Bornier, profissional do marketing e que também não possui nenhuma ligação com o esporte.
O esporte
Pois bem, o futuro não parece promissor para o esporte no geral. Logo no começo do ano, momento em que mais acreditamos em melhorias, em prosperidade. Foi uma bela de uma porrada logo cedo, eu realmente me vi no sofá pensando: “Será que é possível mesmo? Fomos sede de uma olimpíada! Não é possível que seremos apenas o país do futebol”.
Fico pensando, um país como o nosso, de dimensões continentais, com diversos problemas na saúde e na educação, realmente precisamos gerar um outro problema? Deixar de investir em algo que poderia ser um auxílio para esses dois problemas, não parece ser algo inteligente. Esporte é disciplina, esporte é saúde. Em olimpíadas, quantos países não vemos trazendo jovens talentos? Digo mais, alguns dos talentos vindo de universidades daquele país.
Quanto a saúde, essa informação não é minha, é da ONU. Em pesquisa publicada em 2003, cerca de 1,9 milhões de pessoas morrem com doenças que poderiam ser evitadas realizando algum tipo de atividade física, algum tipo de esporte. A pesquisa não para por aí. Cada dólar que uma nação investe no esporte, podem ser economizados 3,20 dólares no gasto com saúde pública. Ao meu ver me parece um investimento com um retorno que não se encontra tão fácil. Talvez nossos governantes não estejam vendo esses estudos.
Sonhos incinerados
Enfim, na última sexta feira cheguei ao trabalho e alguém ao meu lado diz: “que horror”. Quando fui ver, o horror era a tragédia no Ninho do Urubu, o último golpe em mim, o ponto que quebrava toda a minha reflexão. Para sempre seremos o país do descaso, não do futebol. É difícil dizer que o governo tenha tanta interferência no futebol brasileiro. As divisões e as federações, embora cheias de casos de corrupção, possuem dinheiro para ao menos tocar tranquilamente os clubes da elite nacional.
Mas ao mesmo tempo, o descaso apresentado pelo governo federal, acaba refletindo em como a gestão acontece mais pra baixo. Entretanto, o que mais me assusta é ver que essa tragédia aconteceu em uma das categorias de base de maior importância no país. Jovens de 14 a 17 anos, em uma das maiores “escolas” do futebol nacional, não tiveram a atenção que mereciam. Não existiu respeito algum por seus sonhos e por suas vidas.
Agora, se isso acontece num clube grande, conseguem imaginar de um clube de menor porte? Como será que vivem e como são acolhidos esses garotos de clubes sem expressão nacional? Quais as condições que estão sujeitos para conseguir lutar por seus sonhos? Apenas como um exemplo, existem garotos de times do norte e nordeste que vem disputar a Copa São Paulo, apenas com a passagem de ida e sem saber onde ficarão.
Até quando?
É assustador e deve ligar um sinal de alerta em todos nós. O descaso com o esporte no país não pode ser tão grotesco. O que é chamado de principal esporte do país caminha também para o buraco. O brasileiro já não se identifica mais com a seleção brasileira, o técnico Tite bem que tenta retomar esse “patriotismo de chuteira”, mas está difícil. Entretanto, casos como esse mostram que estamos anos luz atrás de outras nações. O futebol brasileiro parece algo amador, mas que custa muito caro.
Até quanto será assim? Mais que a alegria esportiva de torcedor, será que conseguiremos dar a atenção devida aos sonhos de alguns jovens? Enfim, no começo do ano, minha revolta foi com o descaso com o esporte. Agora, após a última sexta-feira, a minha revolta fica para o descaso com a vida de 10 g-a-r-o-t-o-s. 10 jovens sonhadores que tiveram seus sonhos interrompidos por senhores de paletó e gravata. Com esses 10 anjos, mais um pedacinho do que chamamos de esporte no Brasil, vai junto.
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não acompanho o esporte como deveria, mas diante de tantos problemas e descasos me parece que a solução não virá do governo. Portanto é preciso se pensar em soluções mais pontuais. A realidade que presencio em meu trabalho é de crianças e adolescentes que amam futebol e acreditam um dia jogar num time “de nome”. As escolas possuem espaço físico e o material humano, mas não de profissionais que tenham tempo extra para chamar esse grupo de jovens para a prática de algum esporte. Fica aqui uma sugestão: começar devagar, passos lentos, mas com seriedade e responsabilidade; formar parcerias voluntárias para treinar os interessados no esporte. começando com atividades de finais de semana em escolas e durante a semana nos centros esportivos e sociedades amigos do bairro. Existem muitos espaços que ficam ociosos por falta de profissionais. Acredito que seja uma forma de começar a andar e mostrar que temos muitos talentos . Os incentivos só irão aparecer depois…