Que? Um cachorro na capa de um texto do tailgate zone? Sim e já vou logo avisando que não é nenhum tipo de click bait. A história de hoje tem a sua parte esportiva, sua parte humana e sua parte “pet”. Só pra deixar todos preparados, já vou logo colocar a forma como isso chegou até nós.
“alerta, essa história contém mtos ciscos que podem entrar no olho, mas lê até o final que vale mto a pena”.
henrique gonçalves, nosso colunista, também conhecido como o henriquetta
Foi com uma frase dessa que essa história apareceu na redação do tailgate zone. Sim, nós temos uma redação. Ok, é um grupo de WhatsApp, com vários doidos por esportes, mas não deixa de ser a nossa redação (com muito orgulho, com muito amor).
Mais uma vez encontramos esse texto na newsletter da axios, só que dessa vez ele veio de uma fonte nada esportiva. Drew Dickson, CIO da Albert Bridge Capital, abriu ao público uma história muito particular. Ela repercutiu muito bem nos estados unidos, mas pouco ouvimos falar no brasil.
Então entramos em contato com ele e pedimos autorização para traduzir sua “carta”. Todos prontos? Peguem suas toalhas, vocês precisarão. Vamos as palavras de Drew.
stay in the game
Este será um artigo bem atípico para mim. Essa história é profundamente pessoal, para a nossa família e principalmente para o meu filho mais velho. Entretanto, é uma história que ele me deixou contar, pois é uma história que ele gostaria que as pessoas soubessem.
Meu filho Max, nasceu em Detroit no ano de 1997, o verão seguinte ele viveu em Hong Kong quando eu era um estagiário da Fidelity Investments, depois mudou para Londres, antes de completar dois anos, quando eu aceitei uma oferta de trabalho de tempo integral na Fido.
Ele era uma criança incrível e tornou-se um moço maravilhoso. Entretanto, ele tinha os seus demônios. E pouco antes de completar os seus 16 anos, esses demônios despertaram com muita força. Eu contarei os detalhes, mas pelos três anos seguintes, ele passou por um inferno pessoal. Imagine todas as coisas que você não gostaria que acontecessem à um adolescente. Elas aconteceram com ele. Por três anos, eu e minha esposa esperávamos na escada de casa, até as cinco da manhã, sob as sombras da Albert Bridge, na esperança dele chegar em casa. Naquelas noites que ele não aparecia, nós ligávamos para os hospitais e depois para a polícia. Outras vezes, a polícia nos ligava.
Nós tentamos todas as coisas que pais tentariam, aliás, éramos muito sortudos de poder tentar de quase tudo, mas nada daquilo ajudou. As trocas de escola não adiantaram. Os psicólogos não ajudaram. As terapias na natureza não ajudaram. Nossos amigos mais próximos e nossa família também embarcaram conosco, mas não ajudou.
Max não queria estar naquela situação. Ele tinha a sensação de não pertencer a lugar algum. Ele não tinha auto-estima. A ansiedade era paralisante. Por algumas vezes ele pensou em acabar com tudo aquilo, mas o impacto que ele imagina sob os seus três irmãos mais novos, impedia de fazer.
Max vivia num inferno. Honestamente, também era um inferno para nós. Não existia algo que poderíamos fazer. A coisa mais difícil para eu e minha esposa, era aceitar que apenas o Max poderia fazer as escolhas. Não dependia de nós. Nós não poderíamos salvá-lo. Era decisão dele, continuar vivo ou não. Como um dos meus melhores amigos disse, só Max poderia escolher por sua vida.
Então, apenas dois anos atrás, ele percebeu que todo o ambiente londrino era venenoso para ele e me perguntou se poderia se mudar. Ele já tinha nos perguntado antes, e deixamos que ele fosse para lugares distantes, mas agora, a grama não era mais tão verde em nenhum desses lugares. E nós, honestamente, não esperávamos que mais nada disso acontecesse, mas dissemos a ele que pagaríamos pela passagem aérea, pois acreditávamos que ele precisava sair de Londres, também não tinha como as coisas piorarem.
Ele escolheu um destino que muitas crianças sem rumo gostam de visitar. Poderia ser Goa, Tulum, Koh Tao ou Maui, mas ele escolheu a Costa Rica. Um amigo dele, bom garoto, que estava fazendo um mochilão por lá, convidou para que fosse para lá. Eu disse para o Max que cobriríamos todas as despesas da primeira semana, mas que se ele quisesse ficar mais tempo por lá, ele deveria procurar um emprego e se sustentar. Honestamente, não sabíamos o que esperar, mas víamos aquilo como uma última tentativa.
Ele se encantou na primeira semana, até conseguiu um emprego, trabalhando num albergue (em troca da hospedagem e da alimentação). Entretanto, depois de passada a lua de mel (uma hora ela acaba), a realidade voltou. Sua ansiedade apareceu, sua depressão era presente novamente. No momento mais escuro de seu problema, ele quase decidiu por não seguir. E não tinha nada que poderíamos fazer. Mesmo que não estivéssemos 5000 milhas de distância, não haveria o que fazer.
Porém, por algum motivo, ele decidiu não desistir. Max decidiu por seguir no jogo.
Algum tempo depois, nós descobrimos o porquê. Ele encontrou um cachorrinho de oito semanas de vida vagando as ruas de Santa Teresa. O cachorrinho foi maltratado, estava comendo restos nas lixeiras e tinha muito medo das pessoas. No entanto, Max e o cachorrinho, que recebeu o nome de Chica, criaram uma conexão. Max e Chica tornaram-se inseparáveis.
Max, que tinha seus 19 anos, percebeu que tinha algo a oferecer. Chica precisava de seus cuidados, e Max estava lá para isso. Max passou a fazer “coisas de adultos”, como ganhar e guardar dinheiro, para poder levar Chica ao veterinário para check-ups, também para vacinas. Então Chica começou a ficar cada vez mais saudável. E Max também. Eu conseguia ouvir isso em sua voz quando nos ligava. Existiam inspirações sobre a vida e sobre o futuro, que não era de costume ouvir dele, desde que tinha seus 14 anos. Ele estava começando a recuperar a sua rotina.
Em uma de suas ligações ele disse para mim “Pai, acho que estou pronto para ir embora da Costa Rica”. Então ele continuou “e mesmo que eu esteja com muita saudades de vocês, eu não acho que devo voltar para Londres. Eu quero ir para algum lugar onde eu não seja tentado pelos meus velhos hábitos, mas ao mesmo tempo, um lugar onde eu me sinta em casa e consiga recomeçar tudo. Algum lugar como Georgia ou Indiana”.
Ele disse “Georgia ou Indiana” porque ele era vagamente familiar com os dois. Eu cresci em Indiana, então me mudei para Atlanta, onde vivi por muitos anos e conheci minha esposa, a mãe de Max. Eu contei para ele que seja Georgia ou Indiana, seria uma ótima ideia e que existiriam pessoas ótimas nos dois lugares. Eu mencionei que ficaria confortável sabendo que meus antigos amigos em Atlanta estariam por perto se ele precisasse de auxílio; e em Indiana, ele com certeza teria seus avós e seu tio para ajudá-lo também.
Então ele escolheu Indianápolis. Minha esposa e nossos outros filhos fomos até lá para ajudá-lo a encontrar e arrumar um novo apartamento no centro de Indianápolis, também aproveitar para conhecer Chica. E mesmo antes de chegarmos, Max já estava com um trabalho de tempo integral e não estava fazendo as coisas ruins que ele costumava fazer. Ele ainda tinha seus demônios (essas crianças sempre terão – inferno, todos nós temos – apenas aprendemos a controlá-los), as coisas não eram perfeitas ainda. Mas ele conseguia trabalhar, controlando sua ansiedade, sua depressão, pois ele tinha responsabilidades agora. Ele tinha a Chica.
Ainda na Costa Rica, por conta própria, Max descobriu como fazer Chica entrar nos estados unidos e convenceu alguém da American Airlines a deixá-la voar em seu colo, porque não deixariam os cães voarem no porão devido ao calor. Momentos depois, ele e Chica, estavam em seu pequeno apartamento próximo ao canal de White River, e cada um começou sua nova vida juntos. Max salvou Chica. E Chica salvou Max.
Três meses depois, em uma tarde de passeio, Chica viu algo que nunca tinha visto na Costa Rica. Era um esquilo. Antes que Max conseguisse parar a cachorrinha, ela perseguiu o esquilo pela Indiana Avenue. Logo em frente a um carro em alta velocidade.
O carro passou por Chica. Meu filho berrou. Naquele breve momento tudo pelo que Max trabalhou, tudo que ele superou, tudo pelo que ele viveu, tinha ido embora.
Só que o batida não matou a cachorrinha. O motorista que passou com o carro em alta velocidade, deixou Chica entre a vida e a morte, chorando na avenida. Entretanto, o carro que estava atrás parou. Era um garoto negro. Um jovem garoto negro, que viu um jovem garoto branco ajoelhado no meio de uma avenida no centro de Indianápolis. Seu nome era Kenny. Ele abriu a porta, saiu do carro, andou até o meu filho e disse “ei, estou com você”. Então ele tirou Max do meio da Indiana Avenue, pegou uma ensanguentada Chica no colo e colocou todos dentro de seu carro.
Saiba que Kenny tinha acabado de se mudar para Indiana, ele cresceu na Georgia. Ele estava viajando já tinha um tempo e recentemente perdeu seu emprego no norte. Na sequência, foi lhe oferecido um trabalho temporário lá em Indianápolis e começou a trabalhar por lá. Ele ainda estava aprendendo o novo emprego e esperava ser efetivado. Kenny tinha apenas 21 anos.
Mesmo assim, nada disso importava para Kenny naquele momento. O que importava para Kenny era Chica e o meu filho Max. Então Kenny procurou por clínicas veterinárias em seu celular e levou Max e Chica para uma delas. O veterinário disse que sem cirugia Chica morreria, mas que ele não era cirurgião, eles precisariam encontrar algum em outro lugar.
Por sorte, Kenny continuou com eles. Kenny estava lá com Max, como uma irmão mais velho, esse maravilhoso jovem levou Max e Chica para outro veterinário, um que era capaz de fazer a cirurgia.
Esse outro veterinário, fez a cirurgia. Foi um sucesso. Chica sobreviveu. Sua bacia foi quebrada, mas nos seis meses seguintes, Max cuidou dela até ficar saudável novamente.
Sem Kenny, nada disso teria acontecido.
Kenny ainda manteve o contato com Max tempos depois. Ele mandou mensagens perguntando pela Chica e também pelo Max. Esse último Thanksgiving, um ano após o incidente, Kenny conseguiu alguns ingressos para ver um jogo dos Colts e convidou Max para assistir e depois ainda combinaram de sair para jantar.
Max está muito bem agora. Ele tem trabalhado em tempo integral, está super saudável, começou a correr maratonas e agora está seguindo um caminho promissor. Essas foram suas escolhas, tinham que ter sido feitas e ele fez. Só que quase não foram feitas. Kenny garantiu que ele seguisse no caminho certo.
Esse cara, o Kenny, eu quero agradecê-lo por tudo e dar o maior abraço que já dei em alguém. Eu quero dizer que ele é especial. Eu quero agradecer por ter salvo a vida de Chica. Eu quero agradecer por ter salvo a vida de meu filho.
Ah, pelo que tenho acompanhado, nós temos boas notícias sobre o Kenny nas últimas semanas. São notícias realmente boas.
Kenny não só conseguiu aquele trabalho, como conseguiu um contrato bem longo. Kenny Moore, de Valdosta, do estado de Georgia, assinou um contrato com o Indianapolis Colts. Será o slot cornerback mais bem pago de toda a NFL, um contrato que vai lhe pagar ao menos 30 milhões de dólares pelas próximas quatro temporadas.
Coisas boas acontecem a pessoas boas.
Kenny seguiu no jogo também.