“Au,au”, Realengo, aquele abraço! Vocês devem estar se perguntando por que eu comecei com um verso da carioquíssima música “Aquele Abraço” do mestre baiano Gilberto Gil. O motivo é simples: depois de quase 40 colunas escrevendo sobre mascotes americanas, ou européias no caso de algumas olímpicas, finalmente esta coluna falará de mascotes genuinamente brasileiras, cariocas da gema! Após abordar as mascotes de Londres 2012, encerrarei a série sobre as mascotes olímpicas com a dupla da Rio 2016: Vinicius e Tom.
Depois da “volta aos trilhos” em Londres 2012, o Comitê Olímpico Internacional (COI) manteve a obrigatoriedade do Comitê Organizador da Rio 2016 (Rio 2016) de criar uma dupla de mascotes, sendo um para os Jogos Olímpicos e outro para os Jogos Paralímpicos. Ainda sim, eles precisariam ser criados de forma conjunta, conectado ao plano estratégico de marketing dos dois eventos.
Origem
Como já havia se tornado tradição olímpica, o Rio 2016 lançou um edital público para o processo de seleção das mascotes. Poderiam se candidatar empresas de design, ilustração, animação ou publicidade. Porém, desta vez o edital foi restrito apenas para empresas brasileiras. Entre as 17 diretrizes que os candidatos deveriam seguir estavam a universalidade, a inclusão na cultura local, o alinhamento com o projeto de marketing do Rio 2016, respeito aos valores olímpicos e paralímpicos e comunicação preferencial com as crianças sem perder de vista os adultos.
Em agosto de 2013 o Rio 2016 escolheu o projeto do estúdio de animação Birdo, reconhecida por sua ótima capacidade de animação. Entretanto, até aquele momento, seu nicho estava em curtos comerciais e curta-metragens de relativo sucesso no Anima Mundi.
Apesar da escolha, a Birdo e o Rio 2016 continuaram a trabalhar no desenvolvimento do projeto em segredo por mais de um ano. Afinal, a organização só revelou as mascotes ao público em novembro de 2014, ainda sem nome.
Escolha dos Nomes
No momento da apresentação, o Rio 2016 também publicou os 3 pares de possíveis nomes das mascotes: Oba e Eba, Tiba Tuque e Esquindim, além de Vinícius e Tom. Eles foram submetidos a uma votação popular de 3 semanas de duração para a escolha definitiva.
O 1º seria uma representação de alegria facilmente compreendido em várias línguas (mesma concepção de CoBi), já o 2º seria uma homenagem às nossas origens indígenas e o gingado natural do carioca. O último era uma homenagem aos pais da Bossa Nova e difusores mundiais da música brasileira: Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
Sobre essa votação, uma curiosidade. A revelação do nome escolhido se daria no programa dominical da TV Globo, Fantástico, do dia 14 de dezembro de 2014, ou seja fará 6 anos na próxima segunda-feira, com a votação se encerrando horas antes do anúncio.
A Reviravolta?
Só que, pouco antes do derradeiro final de semana, o colunista do jornal O Globo, Ancelmo Gois, vazou em sua coluna que Oba e Eba estariam liderando a votação por larga folga. Isso desencadeou uma corrente frenética nas redes sociais, especialmente no Facebook, durante as últimas 48h de votação puxada por ativistas culturais e entusiastas olímpicos para incentivar as pessoas a votarem em Vinicius e Tom e reverter o dito resultado.
Os idealizadores justificaram que os nomes das mascotes deveriam representar e apresentar a cidade do Rio de Janeiro ao mundo e a única opção que afinal cumpria esse objetivo era a homenagem ao famoso duo musical.
No meio desse movimento, também ocorreu uma discussão nas mesmas redes sociais pois havia quem se opusesse sob o argumento que “Vinícius” seria uma pronúncia de difícil assimilação em certas línguas. Já os defensores treplicaram que Vinícius de Moraes já era uma pessoa mundialmente famosa e todos já estavam acostumados a ele.
Obs: dizem os maus latidos caninos que o Tio Rafic cancelou compromissos no dia 13 de dezembro apenas para se dedicar a divulgação da corrente e convencer o maior número possível de pessoas para votar em Vinícius e Tom.
Até hoje não sabemos a veracidade sobre a liderança de Oba e Eba. Mas, se mesmo após toda avalanche nas redes sociais, o resultado final foi apenas 44% a 38% a favor de Vinícius e Tom, a hipótese é plausível.
Conceito
Vinícius é a mascote olímpica, como a logo em seu abdômen logo entrega. Ele representa toda a fauna selvagem brasileira, mas sem incorporar qualquer animal específico, conforme o COI havia solicitado para evitar cair na mesma arapuca da mascote da Copa do Mundo de 2014 com o tatu bola.
Aqui deve-se parabenizar os criadores de Vinícius pois, ao mesmo tempo que claramente representa um animal quando visto, é absolutamente impossível dizer qual animal. Afinal, seu rabo automaticamente remete aos micos da Floresta da Tijuca, suas patas lembram a de um felino como a onça-pintada, seus fiapos de cabelo remetem ao gato de pelo curto brasileiro e seus braços lembram as asas de um dos vários pássaros da mesma Floresta da Tijuca. No meio dessa mistura louca, saiu uma mascote carismática sem ser piegas.
Por sua vez, Tom é a mascote paralímpica, como também revela a logo em seu abdômen. Se Vinícius representa a fauna, obviamente Tom representa a flora brasileira. Dessa forma seus pés são curtos para representar raízes, seus braços curtos e mais rígidos lembram galhos e a cabeleira foi inspirada na copa de uma árvore frondosa da mesma Floresta da Tijuca. Além disso, o Tio Rafic tenta me vender que essa cabeleira também remete à vitória-régia. Mas nem com a minha valente imaginação canina consigo aceitar isso. Como o detalhe faz a diferença, há 3 anteras no topo de sua cabeça.
Recepção
A crítica recebeu as mascotes de forma dividida. Algumas passagens positivas sobre a docilidade e o carisma das mascotes e outras negativas, por suas “aparências estranhas”. Também houve uma reclamação pela falta de representatividade de animais e plantas específicos em extinção, deixando de dar holofote à necessidade de preservação de espécies nativas.
Mas não demorou para a dupla de mascotes caírem nas graças das crianças, sendo requisitadas em vários eventos, visitas as escolas, etc. Além disso, depois de mais de 20 anos, finalmente alguma mascote olímpica também caiu nas graças dos adultos. Esse é detalhe importante pois foi justamente este o ponto que faltara para as mascotes de Londres 2012 na retomada do protagonismo das mascotes nos Jogos Olímpicos.
Sucesso
Vinícius e Tom foram sucesso absoluto popular, de licenciamento e de vendas. A Lego pela primeira vez na história lançou uma edição especial de mascote olímpica. Ao mesmo tempo, a Havaianas lançou uma sandália do Vinícius que se tornou coqueluche. Além disso, um boné do Vinícius com um rabo gigante na parte de trás que, além de ser o item mais vendido de toda Rio 2016 (a Havaianas foi a 2ª mais vendida), foi tão procurado que não havia mais nenhum exemplar disponível nas Lojas da Rio 2016 já no fim da 1ª semana dos Jogos. Tio Rafic outro dia até me contou da raiva dele de ter chegado atrasado e não ter conseguido comprar seu exemplar.
O resultado final foi a superação da meta comercial criada. O Rio 2016 projetou uma meta audaciosa para a venda dos produtos de licenciamento ligados às mascotes: 25% de rendas de licenciamento. Mesmo com essa meta audaciosa, Vinícius e Tom superaram-na e ficaram próximos de 30% do total, para a alegria de uma certa ex-presidente.
Protagonismo
Apesar de todos os feitos já escritos nesta longa coluna, o principal papel de Vinícius e Tom foi trazer de volta as mascotes para o centro das atenções durante a realização do próprio evento olímpico. Ambos ficaram marcados durante a realização da Rio 2016 como nenhum mascote desde CoBi. Nem Wenlock e Mandeville em 2012, tiveram destaque no meio dos vários eventos desportivos dos Jogos Olímpicos.
O grande momento de Vinícius foi durante a luta olímpica. Nesta modalidade é normal que os técnicos dos atletas recebam um objeto que devem arremessar no tapete de luta caso queiram desafiar uma marcação da arbitragem. Normalmente, isso é feito por cubos de espuma ou EVA. Na Rio 2016, os organizadores tiveram a brilhante ideia de darem Vinícius de pelúcia para os técnicos lançarem o desafio. A organização vestia um boneco com uma camisa azul e o outro com uma camisa vermelha para diferenciar o atleta que estava desafiando.
Caso fosse lançado um Vinícius sem camisa, era porque os oficiais da mesa solicitaram a parada da luta por algum motivo. Há um bom exemplo de “lançamento de Vinícius” aos 2min48seg do vídeo abaixo. Essa ideia foi muito bem recebida e criou até uma “modalidade informal”: arremesso espetacular de Vinícius. Portanto, ele passou a receber o apelido de “mascote do desafio” (“the challenge mascot”) pela transmissão americana, mesmo em eventos fora da luta olímpica.
Outro momento marcante de Vinícius durante os Jogos foi sua interação com Usain Bolt enquanto ele comemorava o histórico tricampeonato olímpico dos 100m rasos e a entrega de uma mascote grande de pelúcia para ele. Este momento está registrado a partir dos 5min06seg do vídeo abaixo. Bolt ainda carregou o Vinícius de pelúcia de 40cm por longos minutos durante sua comemoração no Engenhão.
A Sacada e a Transição
Semelhantemente a esses grandes momentos, o momento mais cômico de Vinícius viria na abertura daquele evento que não seria o seu: os Jogos Paralímpicos
Primeiramente, o Rio 2016 queria trazer Vinicius para apresentar Tom em uma “passagem de bastão” diante do público no Maracanã naqueles minutos antes do início oficial da cerimônia. Isso também seria uma forma a fim de aproveitar a grande popularidade que Vinícius já angariara durante os 17 dias de Jogos Olímpicos para “lançar” Tom. Entretanto, por questões contratuais, nenhum símbolo olímpico pode aparecer durante os Jogos Paralímpicos e Vinícius carrega em seu abdômen uma logomarca gigante dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e os altamente protegidos anéis olímpicos que acompanham a logo. Como resolver?
A solução encontrada foi bem brasileira: lembram daquele desfile enorme da Gisele Bundchen em pleno Maracanã durante a abertura dos Jogos Olímpicos? Pois pegaram aquele vestido dourado que ela usou e vestiram no Vinícius. Dessa forma cobriram a logomarca e os anéis olímpicos. O resultado foi uma gargalhada generalizada no estádio, principalmente quando ele imitou a própria Gisele. O momento pode ser visto no vídeo abaixo.
Ademais, Tom não teve nenhum momento marcante em específico, até por causa da menor mídia dos Jogos Paralímpicos. Mas também ficou marcado na história por causa das cerimônias do pódio. Afinal, o Rio 2016 entregava para todos os medalhistas paralímpicos durante a cerimônia do pódio um Tom de pelúcia com sua cabeleira pintada da cor da medalha obtida pelo atleta.
Essas pelúcias especiais não foram vendidas e se tornaram objeto de desejo de todos os atletas e espectadores, que imploravam a todos os atletas que estes os entregasse tais bonecos. Obviamente, raríssimos eram os atletas que se desfaziam de seus cobiçados prêmios.
Desenho Animado
Além disso tudo já escrito, como já virara tradição, Vinícius e Tom não ficariam sem sua própria série de desenho animado após uma empresa de animação criá-los. Portanto, a série “Vinícius e Tom: divertidos por natureza” teve 32 capítulos de 2min cada e eles estão disponíveis seja no YouTube do Rio 2016 ou no Canal Olímpico. Entretanto, neste último apenas estão disponíveis 27 dos 32 episódios. Por outro lado, no Youtube do Rio 2016 estão os 32 completos. Abaixo reproduzo o 1º episódio da série, que não tem falas em nenhum episódio.
Quem quiser entender como foi o complicado processo de criação desta animação, a própria Birdo tem uma belíssima explicação em seu próprio site. Ela também explica o motivo do surgimento das “irmãs cariocas” Bela, Sol e Vida para serem coadjuvantes das mascotes na animação. Infelizmente, apesar de ser uma empresa brasileira sediada em São Paulo, todo o seu site está em inglês e não há uma versão em português.
O Cartoon Network coproduziu e transmitiu o desenho que estreou no Brasil em 5 de agosto de 2015, marcando 1 ano para o início dos Jogos Olímpicos.
Nesse meio tempo, Divertidos por Natureza foi o desenho mais assistido da Cartoon Network em 2016 e seu sucesso provavelmente foi responsável por parte da popularização das mascotes entre as crianças.
Legado
Depois de tudo o que já foi foi dito, o que ainda dizer sobre o legado de Vinícius e Tom? Depois de 24 anos de ostracismo, foram eles que devolveram a figura da mascote olímpica para o centro dos acontecimentos do evento, participando de momentos marcantes dos Jogos Olímpicos, como nenhuma mascote fizera desde CoBi. Eles também mostraram que apesar dos tempos modernos, a fórmula para cativar crianças e adultos ao mesmo tempo não mudou, é só fazer mascotes meigos e que tenham um carisma especial ao primeiro olhar.
Não é difícil, não precisa reinventar a roda. É só fazer o “feijão com arroz”, algo bem brasileiro, que os resultados virão naturalmente. Dessa forma, pude relatar vários momentos marcantes de Vinícius e Tom durante a realização da Rio 2016. Não existe nada parecido neste século. Em relação aos acontecimentos dos próprios jogos, talvez nem CoBi tenha sido tão presente. Só Sam, a Águia Olímpica, teve uma presença tão forte.
Portanto, Vinícius e Tom deixaram o grande legado de mostrar que a velha fórmula de mascotes com identidade, carisma e formatos familiares aos seres humanos ainda é a fórmula que melhor interage com os diferentes públicos. Dessa forma, permite uma participação central das mascotes durante a realização do evento, reforçando a marca e todo o projeto de marketing dos Jogos Olímpicos.
Infelizmente, a lição não durou muito, pois as mascotes de Tóquio 2020 já saíram de forma errada. Se as mascotes de Pequim 2008 eram uns cinco “pokemons” mal feitos, as duas mascotes de Tóquio 2020 tranquilamente poderiam ter saído do desenho “Digimon”.
Adeus Mascotes Olímpicas
Enfim, com todo o gingado carioca de Vinícius e Tom, encerro não só esta coluna como a série das mascotes olímpicos marcantes. Apesar da inspiração nos mestres da bossa-nova, permitam-me encerrar com outro estilo musical totalmente carioca, o samba-enredo.
Aplausos que o show vai terminar (ôô)
Me perdoem se eu chorar.
Saudades, Vinícius! Saudades, Tomzinho!
Obs: para quem quiser saber, este é o trecho final do samba-enredo da Porto da Pedra de 2008.
Au! Woof!