Sobre cães e mascotes #7: Moscou 1980

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Bom dia, boa tarde, boa noite (alô, “papai”!). Voltei para a coluna dessa semana, porém o tema será um mascote diferente. Pela primeira vez não falaremos sobre um mascote das ligas americanas, mas sim do Mikhail Potapych Toptygin. Só pelo nome ele já se mostra importante, né? “Au, au” em reverência a vossa excelência o urso Misha, mascote dos Jogos Olímpicos de Moscou de 1980, o primeiro a ser um supersucesso comercial e afetivo.

Se durante os anos 80 tivemos uma explosão na quantidade de mascotes esportivos e hoje eles são fundamentais em projetos de marketing esportivo, muito se deve ao fenomenal e inesperado sucesso desse urso, que até hoje é um potente ícone cultural, especialmente na Russia.

A Guerra Fria

Como mascote olímpico, ele foi pensado para refletir as qualidades e a cultura do país sede daquela edição e por isso a escolha deste animal, já que o urso pardo europeu é um símbolo difundido da Rússia desde o século XVI. Inclusive este símbolo passou a ser chamado de urso russo.

Não podemos nos esquecer que os Jogos Olímpicos de 1980 foram realizados em meio a Guerra Fria. Então, nesse contexto de guerra propagandística, a realização dos Jogos Olímpicos na capital de uma das potências “beligerantes” seria peça central nesta disputa de idéias. Misha também foi moldado por ela, é claro.

Ao longo do século XX, principalmente durante a Guerra Fria, esse urso pardo foi usado como o símbolo da Rússia “enorme, desajeitada e brutal”, principalmente por cartunistas ingleses e americanos. Dessa forma ele era retratado como uma mistura de predador africano com bicho-preguiça em um claro ataque a então União Soviética.

A organização dos Jogos Olímpicos, atrelada ao governo de Moscou, tinha isso em mente enquanto apreciava os desenhos feitos para o concurso oficial que escolheria o mascote oficial; obrigatoriamente um urso conforme votação popular anterior, e por isso selecionou o desenho de Victor Chizhikov.

Misha, o mascote no meio a Guerra Fria e os Jogos Olímpicos.
Fonte: medium.com

Patas e pelos

Ele representava um urso pequeno, carinhoso e sorridente. O exato avesso dos ursos dos cartunistas americanos e muito próximo do urso de pelúcia, o Teddy Bear, tão caro ao folclore americano. O toque olímpico ficava por conta do cinto de halterofilista com as cores dos anéis olímpicos tendo como fivela os 5 anéis em dourado.

Tendo em vista seu enorme sucesso desde de seu anúncio em 1978, o comitê organizador dos Jogos Olímpicos usou Misha extensivamente na divulgação do evento; na cerimônia de abertura e durante os jogos. Mas foi em sua participação na cerimônia de encerramento que Misha garantiu não só um espaço no coração dos russos, mas também na memória mundial.

Ao som de um música de despedida, um Misha enorme entrou no Estádio Luzhniki amarrado a vários balões de gás hélio. Enquanto ele passeava na pista de atletismo se despedindo, um mosaico do mesmo Misha montado na arquibancada soltou lágrimas; uma das cenas mais bonitas da história das cerimônias olímpicas. Ao fim do ato, os balões de gás hélio levaram o grande Misha embora do estádio, voando. Quem quiser se emocionar junto comigo pode ver o vídeo abaixo e latir de melancolia.

O legado de Misha

Misha também foi o primeiro mascote esportivo a ser retratado em desenho animado, exibido pela japonesa Asahi TV nos meses anteriores aos Jogos. Depois do sucesso de Misha e de seu desenho animado, virou tradição que todos os mascotes esportivos de eventos importantes tivessem séries animadas para crianças. Até meu amigo Vinícius, o mascote da Rio 2016 que ainda será tema de uma coluna futura, teve seu desenho animado exibido pela Cartoon Network Brasil entre 2015 e 2016.

Seu espaço no folclore russo foi tanto que o mesmo Misha que voou na cerimônia de encerramento depois foi recuperado cerca de 1km distante do estádio e ficou exposto por muito tempo no Centro de Exibições de Moscou.

O impacto mundial de Misha foi enorme e, ainda na guerra propagandística da Guerra Fria, 4 anos depois foi a vez dos Estados Unidos tentarem responder com o mascote de Los Angeles 1984, “Sam, a Águia Olímpica.”. Porém, o sucesso de Misha foi incomparável.

Após 31 de dezembro de 1980, como ocorre com todos os mascotes olímpicos, seus direitos foram inteiramente repassados para o Comitê Olímpico Internacional. Mas isso não impediu de Misha reaparecer na cultura popular em 1988, quando, durante as comemorações dos 60 anos de Mickey Mouse, foi feito um quadrinho em russo no qual Misha e Mickey Mouse se encontram. Já era o prenúncio da queda do Muro de Berlim, a desintegração da União Soviética e o fim da Guerra Fria, que ocorreu entre 1989 e 1990.

A herança de Misha ainda é tão presente que os organizadores dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi, no sul da Rússia, fizeram questão que um dos mascotes da edição fosse o urso polar Bely Mishka; que foi apresentado como o neto do mascote de 1980.

Au! Woof!

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